JESUS NO VIADUTO SANTA IFIGÊNIA

 

JESUS NO VIADUTO SANTA IFIGÊNIA

 

Janeiro de 2019. Férias em São Paulo.

Às vésperas de comemorar meus 60 anos de vida, vim a São Paulo para comemorar com minha família essa data, para resolver alguns assuntos pessoais, descansar, ler e escrever.

Uma das coisas que mais tem chocado em São Paulo é a quantidade de moradores de rua. A riqueza da cidade contrasta com essa miséria humana. A população em situação de rua, aqui, é de muitos milhares. Por onde tenho passado, sucedem-se homens, mulheres e até crianças sentadas ou deitadas nas calçadas, em muitos casos com forte cheiro de excrementos, que se sente muito antes de chegarmos próximos a eles. São diversos os que, todos os dias, se aproximam pedindo dinheiro ou algo para comer. É uma quantidade tão grande, que se torna impossível ajudar a todos. E essa massa imensa vai, aos poucos, sedando o nosso coração para a caridade, tornando o ser humano indiferente a tanta dor, pois cada um se sente impotente ante tanta miséria, incapaz de ajudar e salvar a tantos.

Quem me conhece um pouco sabe que um dos evangelhos que tem norteado minha vida é o do Juízo Final, no capítulo 25 de Mateus  (Mt 25, 31-46).

No meu primeiro domingo na cidade, fui à Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Santa Ifigênia para participar da missa da Epifania do Senhor. No entanto, a missa só começaria às 9:00 horas e eu havia chegado às 8:00. Resolvi, então, ir ao Mosteiro de São Bento, a ver se lá a missa estava acontecendo. Saindo da Igreja de Santa Ifigênia, estava cruzando o famoso viaduto que leva o nome da santa, imortalizado pelo sambista Adoniran Barbosa, quando me deparei com um homem jovem sentado no chão ladrilhado do viaduto, de cabeça baixa, não pedindo nada a ninguém. Segurava um papelão à sua frente, no qual estava escrito: Estou com fome.

Duas coisas me chamaram a atenção imediatamente: primeiro, a frase escrita no papelão; segundo, a aparência do jovem. Não sei dizer se era alto ou baixo, pois encontrava-se sentado, com as pernas cruzadas, mas o jovem era magro e tinha os cabelos e a barba compridos. Passei por ele e parei. Olhei para ele, que continuava parado, cabeça baixa, em silêncio, segurando o papelão, sem nada dizer e sem nada pedir, ao contrário de tantos outros irmãos em situação de rua. No mesmo instante, vendo aquele jovem e a frase no papelão, lembrei-me do Evangelho. Jesus está com fome na pessoa desse jovem.

Voltei até ele e perguntei-lhe se ali próximo havia algum lugar para comprar algo para ele comer. Ele pareceu surpreso e me abençoou em nome de Jesus, já agradecendo efusivamente. Indicou-me dois locais, que eu não conhecia. Voltei por onde eu viera e encontrei logo uma lanchonete aberta. Comprei uma garrafinha de 500 ml de café com leite e um substancioso sanduíche chamado Americano, com tomate e alface, mais nutritivo do que um simples hambúrguer ou até um pão com margarina.

Retornando ao Viaduto Santa Ifigênia, o homem continuava no mesmo lugar e do mesmo jeito. Quando lhe entreguei o lanche, mais uma vez ele me agradeceu, e muito, em nome de Jesus. Eu me despedi dizendo: Tchau, Jesus! E senti um arrepio por todo o meu corpo e fui tomado de uma forte emoção.

Um conjunto de fatores mexeram comigo, que segui pelo viaduto, em direção ao Mosteiro para a missa, com lágrimas nos olhos, pois mais uma vez em minha vida senti a presença de Jesus no pobre. Escrevendo isto, voltam-me as lágrimas e o arrepio pelo corpo. Aquele era o dia da festa da Epifania do Senhor; eu estava me dirigindo a uma igreja para a missa, quando eu vi aquele jovem; o papelão tinha escrito que ele estava com fome; e a aparência dele...!!! Era, literalmente, Jesus presente no jovem, no miserável e no faminto.

Já voltei ao viaduto algumas vezes, durante a semana e também no último domingo, mas não mais encontrei aquele meu Jesus. Diversas vezes tenho comprado alimento para quem me pede, mas o sentimento não foi igual àquele domingo.

Só tenho a agradecer a Deus por me permitir encontrá-lO mais uma vez, apesar das minhas misérias. E por dar-me olhos para vê-lO. Tudo é dom, nada é mérito. Tudo é graça.

 

Janeiro de 2019

 

Nenhum comentário: