Há
dois textos bíblicos que estão iluminando a dimensão de caridade da Paróquia
Nossa Senhora das Graças, em
Parque Flora : um é chamado, em algumas traduções bíblicas, de
“regra de ouro”, encontrada no Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus (Mt
7,12) – “Tudo o que vocês desejam que os outros façam a vocês, façam vocês também a eles. Pois nisso consistem a Lei e os Profetas”; outro, também encontrado em Mateus, é conhecido como “O juízo final”, no qual lemos em um trecho: "'Pois eu estava com fome, e vocês me deram de comer; eu estava com sede, e me deram de beber; eu era estrangeiro, e me receberam em sua casa; eu estava sem roupa, e me vestiram; eu estava doente, e cuidaram de mim; eu estava na prisão, e vocês foram me visitar’. Então os justos lhe perguntarão: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, com sede e te demos de beber? Quando foi que te vimos como estrangeiro e te recebemos em casa, e sem roupa e te vestimos? Quando foi que te vimos doente ou preso, e fomos te visitar?’ Então o Rei lhes responderá: ‘Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram.’” (Mt 25, 35-40).
É justamente este espírito de servir
a Jesus no mais pobre que tem norteado a vida de nossa Paróquia. Além do
belíssimo serviço da Pastoral da Criança junto às crianças de famílias mais
necessitadas; do atendimento mensal destas e outras famílias atendidas com a
cesta de alimentos; e do gesto concreto da Novena de Natal, que neste ano
construiu no presbitério da Matriz uma árvore de Natal com mais de 150 latas de
leite em pó destinadas às crianças menores de 6 anos, filhas de mães portadoras
do vírus do HIV e que, devido a isso, não podem dar de mamar a seus filhos, as
doações mensais em favor da CASA DA SOLIDARIEDADE têm crescido a cada dia.
Todos os meses, são celebradas
quatro missas – primeira sexta-feira e primeiro sábado do mês, Mãe Peregrina e
Nossa Senhora das Graças –, nas quais se motiva a doação pelos fiéis de
alimentos, produtos de higiene pessoal e de limpeza a serem entregues na ACASO,
a entidade diocesana que acolhe diariamente cerca de 80 pessoas em situação de
rua, entre homens e mulheres, para proporcionar-lhes um mínimo de dignidade
humana. Nessa casa, os moradores de rua tomam café-da-manhã, tomam banho,
escovam os dentes, os homens fazem a barba, lavam suas roupas, almoçam, recebem
orientações sobre saúde física e psicológica e, antes de retornarem à rua,
fazem um lanche. É a casa que atende os mais pobres entre os pobres, pois nada
têm para dar, muitas vezes nem a gratidão, tal o estado de desamor em que se
encontram.
Algumas pessoas julgaram por bem
entregar ao pároco dinheiro ao invés dos produtos pedidos, pois muitas vezes
faltava algo especial que não foi doado. Com o tempo, essas doações em dinheiro
cresceram, permitindo que quase semanalmente se faça com elas compras de carne
para diversificar o cardápio. Foi justamente a passagem de Mateus 7,12 que
iluminou esta decisão, pois todos nós gostamos de ter um prato diferente a cada
dia em nossa mesa. Nossos irmãos da ACASO não são diferentes e passamos a fazer
por eles o que queremos para nós.
Aproximando-se o Natal, foi
crescendo em nossos corações a preocupação com esses irmãos em situação de rua:
como passariam o Natal? Como celebrariam o nascimento de Jesus? Como nós nos
sentiríamos se estivéssemos na rua, sem lar e sem família?
Tantas atividades neste final de ano
foram adiando a concretização da solução dessa preocupação: a celebração do
novenário, das festividades e missa solene de Nossa Senhora das Graças em
novembro; a Hora da Graça, dia 08 de dezembro; a Novena de Natal; as reuniões
de avaliação e planejamento; as diversas confraternizações de final de ano; a
motivação para a Coleta da Evangelização... e quando percebemos, faltava apenas
uma semana para o Natal. Confiando na graça e na providência divina, na
quinta-feira, dia 17 de novembro, lançamos, através do Facebook, a idéia e o
convite da Ceia de Natal para os moradores de rua, a ser realizada na Praça da
Liberdade, na noite do dia 24 de dezembro, após a missa do Nascimento do Menino
Jesus. Um dia depois, na sexta-feira, dia 18, já tínhamos tudo o que era
necessário para que a Ceia pudesse ser realizada. Foram tantas doações, que
grande parte foi entregue à Casa as Solidariedade antes do Natal para o uso
diário. E ainda chegaram diversas doações em dinheiro que não precisaram ser
usadas imediatamente para a Ceia, mas ajudarão na manutenção diária da ACASO.
A Ceia foi iluminada pelo texto do
“Juízo Final” (Mt 25, 35-40), ou seja, fizemos o melhor para Jesus através do
serviço aos mais pobres. Uma benfeitora de Belford Roxo, que mensalmente envia
muitos quilos de frango para a ACASO, aceitou a proposta de oferecermos carne
assada, doando não só toda a carne, mas também a lingüiça calabresa para recheá-la,
pois, como ela própria disse, frango eles comem durante o ano e no Natal deve
haver algo especial. Outra benfeitora, de Nova Iguaçu, doou refrigerante de
primeira linha, panetones também de primeira linha, farinha de mandioca, bacon e
todos os descartáveis para a ceia. Também de Belford Roxo, uma outra benfeitora
doou cinquenta quilos de arroz e farofa pronta em abundância. De
Austin , através do propedeuta Ítalo Araújo, chegaram caixas
de frutas e muitos refrigerantes. E outras doações menores, mas igualmente
importantes.
No preparo da Ceia, realizada em sua
maior parte pelo propedeuta José Vilanova, tudo foi feito para receber Jesus,
portanto, com o maior carinho, qualidade e abundância. A carne foi cozida e
assada até ficar bem macia e saborosa. Ao caldo foi acrescido vinho do Porto
genuinamente português. O molho campanha teve seus ingredientes cortados bem
pequenos e temperados com 2 vidros de azeite extra virgem português, acrescido
de sal rosa do Himalaia. Só o melhor para Jesus.
Após a missa, dois carros levaram a
mesa, a toalha de Natal, a vela natalina, o Menino Jesus na manjedoura, os
refrigerantes, os descartáveis e a Ceia até a Praça da Liberdade, no centro de
Nova Iguaçu. Chegamos por volta das 22:50 hs e logo tivemos a primeira
surpresa: cerca de dez paroquianos lá estavam para ajudarem a servir os
moradores de rua, além dos que foram no carro. Mas logo veio uma certa
frustração: havia poucos moradores de rua ali. E um deles, que havia convidado
os companheiros para a Ceia, disse que já haviam jantado, pois desde as 18:00
hs haviam passado três grupos distribuindo quentinhas. Mas esta frustração
inicial veio acompanhada de uma ação de graças: estes irmãos não foram
esquecidos na noite de Natal e grupos evangélicos e espíritas haviam se
lembrado deles.
Montamos a mesa e iniciamos uma
oração breve, acompanhada de dois cantos natalinos: “Cristãos, vinde todos, com
alegres cantos” e “Noite Feliz”. E começamos a servir. Poucos. E foram chegando
outros, de tempos em tempos.
O propedeuta Ítalo, acompanhado de três rapazes e uma jovem,
saiu percorrendo o centro de Nova Iguaçu, encontrando vários grupos de
moradores de rua que não foram à Praça da Liberdade, pois estavam com algum
companheiro enfermo que não queriam abandonar. E estes jovens voltaram diversas
vezes ao local onde estávamos para preparar pratos e levá-los aos que não
podiam sair de seus lugares, junto com refrigerante e frutas. Permanecemos ali
até 1:00 da manhã, servindo por volta de 40 refeições.
Tivemos diversos testemunhos nesta
noite que nos fazem querer continuar a proporcionar aos irmãos em situação de
rua o melhor que pudermos dar. Os que foram lá para servir a estes irmãos
ficaram encantados com a experiência e querem continuar a fazê-la. Um senhor da
matriz disse que tem família e que havia visitas em sua casa, mas ele quis
passar ali e foi o melhor Natal que ele já teve. Um jovem disse, na missa do
dia 25, ainda estar em
êxtase. Os jovens que levaram os pratos aos que estavam em
outras áreas sentiam-se realizados com este verdadeiro espírito de Natal. Fomos
levar a alegria do Natal aos mais pobres entre os pobres e nós é que recebemos
essa alegria.
E aqueles para quem a ceia foi
preparada? Um assistido pela ACASO disse que não estava mais com fome, mas
quando abrimos a panela e ele viu a carne e o aroma que emanava, não teve como
não comer mais. Três pessoas, emocionadas, disserem que, naquela noite, nós
éramos as suas famílias, pois passamos o Natal com eles ali. E nos abraçaram. Outras
pessoas caridosas que haviam levado as quentinhas para eles, deixaram-nas e
seguiram adiante; mas nós permanecemos na praça com eles, servindo-os e ceando
com eles. Uma das últimas atendidas naquela noite disse, chorando, que nunca
imaginou estar, na noite de Natal, sendo servida por um padre.
Nosso querido padre Renato Chiera
escreveu o belo e forte livro “Presença no Inferno”, no qual narra sua
experiência de ser “presença de Deus” na cracolândia do Rio de Janeiro. Embora
a situação de rua desses nossos irmãos seja indigna de um ser humano, nós não
estávamos no inferno, mas junto à manjedoura em Belém, pois José, Maria e Jesus
também estavam à margem da cidade, uma vez que “não havia lugar para eles
dentro da casa” (Lc 2,7).
Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos
30 de dezembro de 2015
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