CONFISSÃO E CONSCIÊNCIA DO PECADO

A minha experiência com o Sacramento da reconciliação, popularmente chamado de “confissão”, tem sido muito positiva, seja eu atendendo aos fiéis, seja eu me confessando. Recordo-me de confissões que aliviaram muito o meu coração e minhas angústias, ajudando-me a enfrentar inúmeras situações da vida envolvendo outras pessoas e que corroíam minha alma. Ao atender as confissões do povo de Deus, percebo como as pessoas estão feridas e carentes de Deus e de Seu amor, que saem do Sacramento fortalecidas e literalmente purificadas. Quando saí do coma causado pela Covid, em 2021, após 40 dias, eu estava tão desesperado pela experiência interior pela qual passei toda essa quaresma com pesadelos infernais, que tão logo pude falar, pedi a presença de um padre, pois eu precisava de ajuda para processar tudo o que eu havia vivido interiormente. Após a Covid e agora em uma nova paróquia, tenho atendido confissões continuamente. Atendi nesse mês e meio de minha presença aqui em Vila de Cava, mais pessoas do que em três anos na última paróquia. Não tenho visto nessa acorrência do povo ao Sacramento da Reconciliação como mérito meu, mas como graça de Deus e sentido para a vida que me foi prolongada por Deus. Em um mundo em que Deus é cada vez mais retirado da vida da sociedade, em que Sua Palavra é ignorada, em que os corações estão mais arrefecidos e insensíveis às necessidades dos mais necessitados, a minha missão de presbítero tem sido direcionada cada vez mais a levar Deus ao ser humano. A minha experiência de duas décadas como presbítero ensinou-me que o Sacramento da Reconciliação é muito mais eficaz quando acompanhado da orientação espiritual, esta permitindo que aquele produza um efeito positivo e de conversão verdadeira na vida do fiel, além de proporcionar-lhe um sentido para a vida e para o seu sofrimento. Hoje, passei grande parte da manhã atendendo a confissão de algumas crianças e jovens, que amanhã receberão a Eucaristia pela primeira vez. Normalmente, a primeira confissão de um cristão deixa-o nervoso e inseguro, ainda mais sendo criança ou jovem. Em geral, nessa primeira confissão, os pecados são sempre os mesmos: desobedeci a meus pais, briguei com meu irmão, menti... e outros pecados nessa linha. Procuro mostrar a cada um que um pecado nunca vem sozinho e que os pequenos levam aos grandes (cf. Sermão da Montanha em Mateus 5, 21 a 48), havendo a necessidade de reconhecermos qual a origem do pecado para que, combatendo-a, não cheguemos a pecados maiores. Sempre saio das confissões de crianças com um sorriso nos lábios e no coração, pensando que se todos os pecados do mundo fossem esses, teríamos um mundo muito melhor. Mas as confissões de hoje deixaram-me muito preocupado e reflexivo. Não todas, mas várias crianças e jovens, inqueridos se havia algum pecado que lhes pesasse ao coração ou à consciência responderam que não. Passei, então, a questioná-los sobre a relação com os pais. Não quis incutir pecados a essas crianças nem “procurar cabelo em ovo”. O que percebi foi a ausência de consciência daquilo que é pecado. Sim, havia pecados, mas não sentiam que o fosse. O mundo está tão sem Deus, tão pervertido e tão egocêntrico, que está se perdendo o sentido do pecado. Esta é a razão pela qual cada vez mais a violência, a maldade, a corrupção, a perversidade se tornam realidade no mundo atual. Quantos pais e mães matam seus filhos, por vingança ou outros sentimentos negativos! Quantos filhos e filhas assassinam seus pais, por estes não os deixarem viver como querem! Como pode um estudante entrar em uma escola armado e assassinar colegas e professores? Ou um adulto entrar em uma creche e assassinar covardemente crianças com uma machadinha? E, pior, haver indivíduos (não pessoas, pois as pessoas têm relação positiva com outras, enquanto o indivíduo coloca-se no centro do mundo e faz apenas a própria vontade), que sabendo dos planos dos que vão praticar tais violências, ao invés de demovê-los de seus planos ou denunciá-los, ao contrário, motiva-os a concretizar suas ações criminosas. Quem pratica tais abominações torna-se centro das atenções e noticiários. E muitos dos que assistem aos noticiários, ao invés de reconhecer tais ações como verdadeiramente diabólicas, começam a imitá-las! Querem igualmente ser centro das atenções, mesmo que para isso tenham de destruir vidas. Quando eu era criança, ouvia muitas vezes uma frase que nunca mais escutei ao longo de minha vida: “A palavra convence, mas o exemplo arrasta”. Que exemplo temos dado aos jovens e crianças de humanidade, de respeito ao próximo e ao bem comum? Como podemos querer que a geração futura construa um mundo melhor, se não testemunhamos ante ela valores no mínimo humanitários? Como podemos criar uma geração de paz, se somos violentos? De justiça, se somos ímpios e corruptos? De solidariedade e fraternidade, se somos egocêntricos? Vivemos uma cultura do “Big Brother”, não a do livro “1984”, de George Orwell, mas a do reality show que, infeliz e tristemente, tanto sucesso tem feito no Brasil e em todo o mundo. Parece que ninguém se apercebe de como esta mentalidade do “paredão” desvirtua a nossa humanidade! O paredão da vida real é você destruir quem não deixa que sua vontade seja feita. Se no programa o paredão exclui o membro mais votado para essa exclusão, na vida real a exclusão inúmeras vezes é a morte! E os que se postam ante a televisão, acompanhando a vida irreal dos “brothers” participam ativamente dessa exclusão. Caso a Igreja (ou alguém) exorte as pessoas à prática do bem comum, a colocar Deus no centro da vida e do mundo, à caridade e aos valores evangélicos, as críticas chovem aos milhares e milhões. Neste mundo tão centrado no ego, no indivíduo, tais exortações são tidas como ultrapassadas, retrógradas, opressoras... e nessa linha seguem todas as críticas. Como poderemos ter um futuro de paz, justiça, solidariedade, se falta às pessoas opções? No livro do Deuteronômio (30, 19) lemos que Aquele que caminhou com o Seu povo disse: “coloco diante de ti a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas com a tua posteridade”. No livro do Eclesiástico (15, 17 a 18) nos é dito que “Ele [Deus] pôs diante de tia a água e o fogo: estende a mão para aquilo que desejares. A vida e a morte, o bem e o mal estão diante do homem; o que ele escolher, isso lhe será dado”. A liberdade que Deus nos dá para segui-Lo ou não pode ser uma bênção ou uma maldição. Precisamos saber fazer a escolha certa! Mas como fazer uma escolha, se não nos é apresentada opções. O mundo tem tirado Deus da história humana. A humanidade tem vivido a busca pelo prazer e a realização individual, não se preocupando com o bem comum, com a paz, com a solidariedade. Fala-se muito em deixar que cada um escolha o caminho a seguir. No entanto, não lhe dão opções. O mundo apresenta o egoísmo, a busca por prazer, por bens materiais e até milagres (na hora em que dele precisamos, aí lembramos de Deus). Quem anuncia a Deus no mundo? A Igreja acaba sendo o único espaço divino e humano em que se proclama a Palavra de Deus, mas quantos a buscam? É uma luta desleal entre o bem e o mal, pois o bem mal consegue ser anunciado e o mal o é incessantemente. O “respeito” ao indivíduo não é algo positivo, mas algo verdadeiramente diabólico, pois alardeando esse “respeito” como direito de cada um, tiramos Deus da vida e o mal grassa por todo o mundo. Para que possamos escolher entre o bem e o mal, entre a vida e a morte, temos de ter opções. Mas não a damos. O maior bem que podemos dar a nossos filhos é a fé em Deus, uma possibilidade de viver com verdadeira liberdade uma vida diferente. Ser cristão é muito mais que uma doutrina e regras. Ser cristão é um modo de vida, baseado na fraternidade. Jesus nos ensinou, no Sermão da Montanha, que somos irmãos (não inimigos, como o mundo nos leva a acreditar). Por isso, no Evangelho de Mateus, Jesus ensina a oração do “Pai Nosso” e não do “meu pai” (Mateus 6, 9 a 13 – tendo o paralelo em Lucas 11, 2 a 4). Ser cristão é ser irmão! É um modo de vida baseado no amor e não no egoísmo. Quando o Anjo do Senhor liberta os Apóstolos da prisão (Atos dos Apóstolos 5, 19 e 20), ele lhes dá a seguinte ordem: “Ide falar ao povo, no Templo, sobre tudo o que se refere a este modo de vida”. Não falou em doutrina, falou em “modo de vida”, em testemunho através da vida. O próprio Jesus, antes de ascender aos céus disse: “Ide, pois, e ensinai a todas as nações; batizai-as e, nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que vos prescrevi” (Mateus 28, 19 e 20). Esta reflexão, que se estendeu muito mais do que eu esperava, é uma partilha diante da angústia que senti hoje durante as confissões. As novas gerações não têm opção de vida segundo o coração de Deus. Estão sendo moldadas segundo o egoísmo e não o amor. Se, de fato, amamos os nossos filhos e queremos o bem para eles, temos de apresentar a eles, acima de tudo com o testemunho, que há uma opção ao mundo violento e injusto em que vivemos. Será esse testemunho, será colocar em prática diante de nossos filhos a Palavra de Jesus antes de ascender aos céus que dará a eles uma opção e a consciência do que é certo e do que é errado. Iluminado pela Palavra de Deus entenderemos que o errado é errado, mesmo que todos o façam, e o certo é certo, mesmo que ninguém o faça! Deus coloca diante de nós a água e o fogo, o bem e o mal, a vida e a morte. Aprendamos, pois, a sempre escolher a vida! Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos 22 de abril de 2023

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