SOBRE OS NOSSOS PEDIDOS A DEUS QUE NÃO FORAM ATENDIDOS

             Estou em Mendes, participando do retiro anual do clero da Diocese de Nova Iguaçu. Nosso pregador deste ano, D. Frei Leonardo Ulrich Steiner, OFM, Secretário Geral da CNBB e Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Brasília, acaba de realizar a sua primeira colocação.

            Gosto de ouvir pessoas inteligentes e maduras em sua área de atuação, seja qual for essa área, pois os que amadurecem no exercício de sua atividade são-me inspiradores para aprofundar pensamentos, para escrever, para igualmente amadurecer e conquistar alguma forma de sabedoria, mais do que simples conhecimento.

            Embora o tema de pregação de D. Leonardo fosse a misericórdia de Deus, indiretamente levou-me à reflexão que escrevo agora. Antes, porém, recordo que o pregador deste retiro falou-nos de uma palavra de Jesus, bem conhecida nos Evangelhos, que, no entanto, é pouco meditada e pouco compreendida. Nas discussões de Jesus a respeito do sábado, em um momento ele diz que seu Pai trabalha todos os dias, inclusive aos sábados, e Ele também. E o Pai trabalha todos dos dias porque ele ama sem cessar, é o próprio amor, é a misericórdia, e não pode renunciar um instante que seja à sua essência, à sua natureza.

            A partir dessa colocação de D. Leonardo e de outras que se sucederam, comecei a pensar em nossos pedidos feitos ao Senhor, muitos dos quais parecem não terem sido atendidos. Enquanto ele ainda falava, comecei a fazer algumas anotações em uma folha à parte, para não perder a idéia.

            Inúmeras vezes, durante as homilias a partir do Evangelho de Mateus 7,7-11 ou de Lucas 11,9-13[1], perguntei aos fiéis se haviam sido atendidos em todos os seus pedidos. E a resposta foi, geralmente, “não”.

            Hoje, comecei a me perguntar: os nossos pedidos não foram atendidos de fato ou não o foram como esperávamos? Será que reconhecemos a ação de Deus em nossas vidas, naquele momento em que pedimos?

Atentando para o Evangelho, em Mateus lemos que “o Pai que está nos céus dará coisas boas ao que lhas pedirem” (Mateus 7,11) e Lucas diz que o Pai “dará o Espírito Santo aos que lho pedem” (Lucas 11,13). Será que aquilo que estamos pedindo é bom para a nossa vida, para a nossa salvação e para a construção do Reino de Deus? Se estiver baseado em nós mesmos, na nossa vontade, não é algo bom, pois nada que é fruto do egoísmo é bom.

            Quero lembrar três passagens em que Jesus fala da vontade do Pai: “Bem-aventurados (...) os que ouvem a palavra de Deus e a observam” (Lucas 11,28); e “... todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mateus 12,50 // Marcos 3,35; Lucas 8,21); e ainda: “Não basta me dizer: ‘Senhor, Senhor!’ para entrar no Reino dos céus; é preciso fazer a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mateus 7,21). É a vontade de Deus que precisamos aprender a cumprir na nossa vida e não a nossa, como Jesus nos ensinou na oração a Deus-Pai: “... seja feita a Vossa vontade assim na terra como no céu.’ (Mateus 6,10b), sendo esta petição não uma simples resignação, mas que a vontade de Deus se cumpra sempre, como o mesmo Jesus orou no Getsêmani: “Meu Pai, se esta taça não pode passar sem que eu a beba, faça-se a tua vontade.” (Mateus 26,42b) ou “Pai, se quiseres afastar de mim esta taça... No entanto, não se faça a minha vontade, mas a tua!” (Lucas 22,42).

            Mas um outro aspecto que refleti, e acenei acima é: os nossos pedidos não foram atendidos de fato ou não o foram como esperávamos? E esta pergunta levou-me a fazer memória de minha mãe, que morreu de câncer às vésperas de eu completar nove anos.

            Quando eu ainda era adolescente, abri o guarda-roupa do quarto de meu pai, onde havia uma lata de biscoitos dos anos 50, em que minha mãe guardava os documentos familiares. Dentro, encontrei a carteira de documentos pessoais de minha mãe, provavelmente colocado ali por meu pai. Além da carteira de identidade, de motorista, título eleitoral e outros, encontrei um papel dobrado, no qual minha mãe escrevera uma carta a Jesus e Maria, acredito que na época em que descobriu estar com câncer, datado do dia cinco de abril de mil novecentos e sessenta e cinco, menos de cinco anos antes de sua morte. Na pequena carta, está escrito:

 

Rogo à Deus que prolongue a minha vida até que meus filhos estejam creados e encaminhados, mas se a vontade do Senhor se sobrepuzer à minha só lhes peço do fundo do coração que cuidem bem de meus filhos dando-lhes o carinho e orientação que eu lhes daria. Tratai-os com paciência cercando-os de compreensão, apezar de achar que a Virgem Maria sendo Mãe não irá permitir que minha vida se acabe sem antes eu haver terminado minha missão nesse mundo, pois sendo 4 homens precisarão muito de mim.

Virgem Mãe me proteja.

Nídia”

 

            Apesar de submeter-se à vontade de Deus, minha mãe tinha esperança de ter sua vida prolongada até terminar de criar seus quatro filhos. Porém, morreu aos trinta e nove anos, quando eu estava para completar onze anos, como disse acima.

            Seu pedido não terá sido atendido? Não escutou a sua prece o Senhor Deus? O que, em sua mente de mãe, significava “criar e encaminhar seus filhos”? Que eu, o mais novo, tivesse, quem sabe dezoito anos ou mais? Que todos estivessem formados na faculdade e trabalhando?

            Recordo, embora eu fosse muito pequeno, que, para os meus dois irmãos mais velhos, já havia planos para o futuro: o primogênito, Paulo, seria médico (e de fato ele o é); o Sérgio seguiria carreira militar na Academia das Agulhas Negras, em Resende (RJ). Quanto ao Celso e a mim, ainda não havia projetos para nós.

            Relendo hoje a carta de minha mãe, mais do que nunca eu reconheço o quanto seu pedido foi acolhido por Deus e pela Virgem Maria.

            É a criação que os filhos recebem, ou seja, é a educação e a orientação que os encaminham para o bem ou para o mal. Nesse sentido, quando minha mãe morreu naquele último dia de 1969, posso dizer que meus irmãos e eu estávamos encaminhados. Ao longo de minha juventude, e posso dizer que até bem além dela, inúmeras vezes ouvi comentários positivos sobre a educação que tive. O tratamento respeitoso às pessoas – senhor, senhora, padre, doutor, doutora, irmã –, não apenas o nome, aprendi-o com meus pais. Lembro-me que mesmo entre vizinhos da mesma idade, ou mais novos, o tratamento era de “seu Geraldo”, “dona Conceição”, seu Luiz”, “dona Elfi”, apenas para citar alguns exemplos reais. Em diversas oportunidades, ao tratar padres por “senhor”, alguns me pediram para tratá-los por “você” – assim também alguns paroquianos de mais idade – e eu sempre respondi da mesma forma: “A culpa não é minha, é da minha mãe”. A boa criação recebida nos acompanha por toda a vida; daí aquela mulher dizer a Jesus, ao ver a sua ação pastoral: “Bem-aventurada aquela que te trouxe no ventre e te amamentou” (Lucas 11,27b).

            Minha mãe pediu a Deus que cuidasse bem de seus filhos, dando-nos o carinho e a orientação que ela própria daria. Já testemunhei em variadas oportunidades, antes e depois de ser ordenado, que sempre me senti profundamente amado por Deus. Um amor tão grande, que muitas vezes, principalmente na minha juventude, quando deixei de participar da Igreja Católica, eu senti-me alguém muito especial e único para Deus, muito além das outras pessoas. Só mais tarde, de volta à Igreja e estudando a Sagrada Escritura, vim a descobrir que este amor Deus tem para com todos os seus filhos, porém muitos se colocam tão longe Dele, que não O sentem em Seu amor. Deus pergunta a cada filho e filha, como perguntou a Adão: “Onde estás?” (Gênesis 3,9), não sendo uma questão de espaço, de local, mas acima de tudo existencial: onde está teu coração? Aquele que é bem orientado na vida, mesmo que em algum momento se afaste de Deus, a Ele sempre retorna e diz ao Senhor, como Pedro: “Senhor, a quem iríamos? Tu tens palavra de vida eterna” (João 6,68b).

            Confiando-se à Virgem Maria, com quem partilha o dom da maternidade, minha mãe partilhou com Ela a sua maternidade e seus filhos. Não por acaso, o amor que tenho à Mãe de Jesus e nossa Mãe! Sob Sua proteção sinto que caminhei na vida e, mesmo nas quedas, lá estava Ela para me dar as mãos e ajudar-me a levantar. Quem me trouxe de volta à Igreja foi Maria, a partir do momento em que tomei conhecimento das aparições em Mediugórie. Graças a Nossa Senhora, a quem eu pedi a graça de participar, sem ter a condições financeiras necessárias naquele momento, de uma peregrinação a Mediugórie, passando por alguns santuários italianos, e que a conquistou para mim, senti nascer (ou reavivar) em mim o desejo de servir a Seu Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, como padre. Uma experiência tão forte que, um ano e meio após a peregrinação, eu entrava no seminário da Diocese de Nova Iguaçu, não para ser servido, mas para servir. Também, não por acaso, escolhi como lema de ordenação diaconal: “o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate pela multidão.” (Mt 20,28b), lema este que mantive para a ordenação presbiteral e para o meu ministério.

            Por conseguir reconhecer que o pedido de minha mãe foi atendido por Deus, não como era o desejo de todos os que a conheceram, ou seja, a sua cura e longevidade de vida, mas segundo a vontade do Senhor, eu sempre agradeço a Ele por proporcionar-me esta mãe e os quase onze anos de sua convivência, pois estes poucos anos foram fundamentais para forjar o caráter que me permitiu um dia dizer o meu “sim” ao chamado de Deus.

 

 

Mendes, 30-31 de agosto de 2016



[1] “Pedi, e vos será dado; procurai, e encontrareis; batei, e se abrirá para vós. De fato, todo o que pede recebe, quem procura encontra, a quem bate se abrirá. Ou então, quem dentre vós, se o seu filho lhe pede pão, lhe dará uma pedra? Ou, se pede um peixe, dará uma serpente? Se, pois, vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai que está nos céus dará coisas boas ao que lhas pedirem” – segundo Mateus –, ou “... dará o Espírito Santo aos que lho pedem” – segundo Lucas.

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