Durante a minha adolescência, nos anos 70 do século XX, meu irmão Celso e eu, assistíamos com grande alegria e prazer aos filmes antigos que eram transmitidos às tardes, pela TV Globo, na Sessão da Tarde. Vários daqueles filmes tornaram-se preferidos por mim e a maioria os tenho em DVD, podendo ainda hoje assisti-los quando me dá vontade ou mostrá-los às gerações mais jovens. “Canção de Bernadete”, “O Milagre de Fátima”, “Tarde Demais para Esquecer”, “Quatro Destinos”, “Melodia Interrompida”, “Melodia Imortal”, dentre outros, estão entre estes filmes que me trazem tantas boas recordações.
No filme “Tarde Demais para Esquecer”, a personagem de Deborah Kerr vai visitar a avó da personagem de Gary Grant, durante uma das aportagens do navio em que se conhecem e se apaixonam. A jovem fica encantada com a casa da idosa e diz que adoraria morar naquele local, ao que a avó diz que não, que ali era a sua história e a jovem precisava construir a sua. Nunca me esqueci desse diálogo entre as duas gerações.
No período entre 1991 e janeiro de 1999, morei no número 92 do condomínio Village Morumbi, no Campo Limpo, em São Paulo e fiz daquela casa o memorial da minha história, à semelhança daquela velha do filme. Diversas vezes ouvi pessoas dizendo como a minha casa era bonita e aconchegante, com uma energia positiva que envolvia quem ali entrava.
Móveis antigos comprados em brechós, tapetes e cortinas, spots no teto e abajures criavam uma luminosidade agradável e envolvente. Mais de 70 quadros espalhados pelas paredes, muitas pequenas esculturas e objetos decorativos espalhados pela casa e, principalmente, inúmeros porta-retratos com a história da minha família e a minha pessoal, além de um dos quartos com estantes até o teto nas quatro paredes para acomodarem os mais de 2.000 volumes adquiridos durante 3 décadas, desde a minha adolescência, caracterizaram aquela casa na qual eu me sentia um com ela.
Certa vez li que um artista francês havia perdido toda sua biblioteca e suas obras de arte em um incêndio em seu apartamento. Ao ler essa notícia, pensei que eu morreria caso o mesmo acontecesse comigo. No entanto, em 1999, quando precisei me desapegar de tudo para ingressar no Seminário Paulo VI, em Nova Iguaçu, fiz uma experiência de liberdade extraordinária. Se o bispo dissesse que eu deveria ir para a China ou para qualquer outro local distante, eu iria, sem nada material que me impedisse. Aprendi a usufruir, grato a Deus, tudo o que eu possuo no presente, porém sem deixar que isso me prenda. Deus me deu: louvado seja Deus. Em nome de Deus eu precisei me desfazer do que tenho: louvado seja Deus.
Assim, relativizar a posse dos bens materiais passou a fazer parte da minha experiência de vida e permitiu-me entender todos os apelos de Jesus pelo desapego em nome do Reino de Deus. Essa experiência, que gerou em mim uma imensa confiança em Deus é que me permite assumir qualquer que seja o desafio que a Igreja me proponha, sem medo de passar qualquer tipo de necessidade. Foi essa experiência que me fez aceitar com alegria a incumbência de ser pároco em Tinguá, à época a paróquia mais pobre da Diocese de Nova Iguaçu e que a aceitei como a “minha Ars”. É essa experiência que me fez afirmar mais de uma vez ao meu bispo que não me envie nunca a uma paróquia rica materialmente, mas justamente àquelas mais pequeninas e pobres, nas quais o amor e o serviço sejam os anseios do povo de Deus.
Descobri que só o amor dado e recebido é capaz de nos satisfazer como pessoa humana. Falte-nos tudo, mas nunca o amor. Que a nossa história e a nossa memória não precise estar gravada em um lar, em objetos e fotos do passado, mas gravada na nossa memória e na memória das pessoas às quais servimos a partir do amor que mutuamente tenhamos vivido.
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