A PORTA ESTREITA




Mt 7, 13-14. «Entrem pela porta estreita, porque é larga a porta e espaçoso o caminho
que levam para a perdição, e são muitos os que entram por ela!
Como é estreita a porta e apertado o caminho que levam para a vida,
e são poucos os que a encontram!»

Lc 13,24 «Façam todo o esforço possível para entrar pela porta estreita,
porque eu lhes digo: muitos tentarão entrar, e não conseguirão.






Sempre que leio as passagens dos Evangelhos em que Jesus fala da porta estreita (Mt 7, 13-14; Lc 13,24), vem-me à mente o Caminho de Santiago, que leva a Compostela, na Espanha.
Embora sejam diversos caminhos que levam a Compostela, o mais famoso é o conhecido como “caminho francês”. Há muitos anos sonho em realizar esta peregrinação de fé, em que se percorrem cerca de 800 km a pé, durante 40 a 60 dias, passando por mais de 90 cidades medievais, até chegar à igreja onde está sepultado o apóstolo São Tiago.
Devido a este sonho, já li inúmeros livros com narrativas dessa peregrinação, escritos por pessoas que passaram por esta experiência profundamente humana e espiritual. Por diversas vezes, são concordes as experiências com a mochila levada na peregrinação. Assim, gostaria de fazer uma proposta a você que, por ventura, possa estar lendo este texto: imagine-se preparando a mochila que você levará para essa peregrinação, na qual caminhará 800 km por terras estrangeiras. O que é essencial para você levar, sem passar necessidade?
Já fiz diversas vezes essa pergunta a paroquianos meus e em geral colocamos muitas coisas dentro da nossa mochila, sem as quais não podemos passar. Eu vou listar algumas coisas, como homem; as mulheres, naturalmente, terão outras necessidades. São muitos dias de caminhada, sem um local fixo para deixar a mochila, que sempre nos acompanhará. Penso em levar 2 calças jeans; 3 ou 4 calças tactel; cerca de 5 camisetas básicas brancas e outras 5 coloridas; talvez 3 camisas, sendo uma ao menos de manga comprida, caso haja a necessidade de sair alguma noite para um ambiente mais elegante; ao menos 10 cuecas e a mesma quantidade de meias; 2 toalhas de banho; um saco de dormir; 2 blusas leves e uma mais pesada, caso faça frio alguma noite; capa de chuva e guarda-chuva; um par de sapatos, os quais já estarei calçando ao sair do Brasil, e pelo menos 2 pares de tênis bem confortáveis, para a caminhada; um travesseiro inflável e 2 jogos de cama para os albergues; um kit de primeiros socorros e meus remédios pessoias; 2 frascos de shampoo e um de condicionador; uma escova de cabelo; talco para as axilas e os pés; meia dúzia de sabonetes, para não precisar comprar no exterior, onde são mais caros; escova de dentes e 3 ou 4 tubos de pasta de dentes; creme de barbear, loção após barba e aparelho de barbear com cartuchos para troca das lâminas; 2 bonés e um chapéu de aba larga; 4 toalhas de mão para enxugar o suor pelo caminho; cantil para levar água; algumas barras de chocolate e de barras de cereais, caso sinta fome na caminhada; máquina fotográfica para registrar a peregrinação, caderno e 3 canetas para anotar todas as impressões do caminho; sem dúvida a Bíblia, afinal, é uma peregrinação; um outro livro para ler nas paradas; meu terço. No momento lembro-me dessas coisas essenciais. Outra talvez possam ser acrescentadas à medida que for me lembrando delas. Não sei quanto deve pesar esta minha mochila para a peregrinação a Santiago de Compostela, mas imagino que esteja entre 25 a 35 kg. E a sua? Já calculou o peso, a partir do que você colocou dentro?


Imagine-se iniciando a peregrinação, a alegria de realizar um sonho, de conhecer lugares novos, de refazer um percurso que há séculos é feito, tendo-o sido inclusive por diversos santos. Eu me imagino quase eufórico, caminhando a passos largos, com minha mochila às costas, procurando uma espécie de cajado que me ajude na caminhada. Após uma hora, sinto que o peso da mochila parece estar aumentado. A cada hora o peso é mais alto. Ao final do primeiro dia de caminhada, sinto como se estivesse carregando ao menos 100 kg às minhas costas. Vou dormir, apesar da dor nos pés, nas pernas e nas costas, feliz por estar fazendo o Caminho de Santiago. Acordo cedo e recomeço a minha jornada, mas meus passos são cada vez mais curtos e lentos. Algo está me impedindo de caminhar mais rapidamente: a mochila, grande demais e pesada demais para mim. Mas o que posso fazer? Ali estão as minhas melhores roupas e tudo o mais de que preciso para fazer esta peregrinação. Talvez eu insista nesta idéia por mais algumas horas ou alguns dias, até descobrir que se eu não me desapegar de muito do que eu trouxe, não conseguirei chegar ao termo da minha jornada. Começo me desfazendo do excesso de sabonetes, do shampoo sobressalente, das pastas de dente que ainda não estão sendo usadas. Comprarei adiante, conforme a necessidade. Recomeço a caminhada, com a mochila mais leve. Mesmo assim, aos poucos, ela se faz pesada demais para mim. Mas não há mais nada de que eu possa me desfazer. Tudo ali é essencial.
Algumas horas ou dias depois sinto que não posso mais com aquele peso. Com muita dor no coração, desfaço-me das toalhas de banho, do condicionador, do livro e de algumas camisetas; deixo também para trás algumas cuecas e meias que não consegui lavar.
E assim, pouco a pouco, vou me desapegando de muitas coisas que eu coloquei na mochila, as quais eu julgava serem indispensáveis à minha vida, pois se não o fizer, não chegarei ao final do caminho. E chegarei um dia, com minha mochila muito menos cheia e muito mais leve.
Mas o que essa história da mochila no Caminho de Santiago tem a ver com a porta estreita da qual fala Jesus?
É que sempre que penso nesta porta estreita que leva à vida eterna, penso em mim e em todas as pessoas querendo passar por ela, trazendo consigo uma mochila cheia daquilo que acumulamos na vida e não queremos nos desfazer, nos desapegar: pessoas, amizades, amores, bens, valores, preconceitos, egoísmos, ciúmes, poder, autoridade, etc. Ao chegar o momento de passarmos pela porta estreita que conduz à vida, a imensa mochila que colocamos às nossas costas serão um empecilho à nossa passagem e descobriremos que só passaremos se nos desapegarmos de tudo o que julgamos importante, se nos esvaziarmos de nós mesmos. “Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; e quem perdê-la por causa de mim vai salvá-la” (cf. Mt 10,39; 16,25; Mc 8,35; Lc 9,24, 17,33; Jo 12,25).
O que temos colocado na mochila da nossa existência? A que estamos tão apegados que nos impedirão a passagem pela porta estreita que conduz à vida eterna? Se teremos de nos desapegar um dia, por que não começarmos já, a fim de que nossa vida seja mais solidária, fraterna e amorosa? Durante a nossa existência terrena costumamos colocar sobre nossos ombros jugos duros e fardos pesados; o desapego, a partilha, a caridade, o perdão pregados por Jesus são o jugo suave e o fardo leve que Ele nos prometeu (cf. Mt 11,30).
«Não ajuntem riquezas aqui na terra, onde a traça e a ferrugem corroem, e onde os ladrões assaltam e roubam. Ajuntem riquezas no céu, onde nem a traça nem a ferrugem corroem, e onde os ladrões não assaltam nem roubam (Mt 6, 19,20). Que nossas mochilas, nesta peregrinação terrestre, estejam cheias apenas das riquezas de Deus!


15 de maio de 2011
4.o Domingo da Páscoa

Nenhum comentário: