MISSÃO E MISSÕES



Em pouco mais de oito anos de vida ordenada sacerdotal, e mais anos ainda de cristão e de cidadão, percebo que não somos chamados a uma missão apenas, mas a missões, e enviados conforme novos contextos e novas circunstâncias o exigem. Dessa forma, segundo cada uma dessas situações, um ou mais dos inúmeros talentos que nos foram dados por Deus são colocados em prática.
Como filho, como estudante, como comerciante, como professor, como leigo, como seminarista, como diácono, como padre, como pároco, como formador, como ser humano, procurei sempre dar o melhor de mim; particularmente, como membro da Igreja, procurei ser aquilo que o bispo que me ordenou, D. Luciano Bergamin, CRL,: amigo de Cristo. Foi isso que ele pediu que eu fosse e que assim o povo me reconhecesse.
Pelo que ouço, não fracassei muito neste ponto, pois muitos afirmam que o meu ministério os ajudou na sua conversão diária ao projeto de Deus. Entretanto, tenho a consciência de que isso não é mérito meu, mas graça divina expressa através de mim em favor do Seu povo, por mim pelo mistério do nosso ministério ordenado exercido “in persona Christi”.
Durante o retiro anual do clero da Diocese de Nova Iguaçu, em agosto de 2011, ouvi do pregador, D. Esmeraldo, bispo da Diocese de Santarém (PA), que muitos padres até são bons padres, porém incapazes muitas vezes de realizar uma boa articulação pastoral, seja qual for a razão; seja esta pessoal, por falta de carisma próprio, seja por falta de formação adequado ou de ajuda.
Esta palavra de D. Esmeraldo tocou-me profundamente, uma vez que olhando para trás e orando a minha vida percebi esta incapacidade de fazer esta articulação. Quanto deixei de realizar nas duas paróquias até então a mim confiadas, sem entrar no trabalho formativo no Seminário Paulo VI e, atualmente, no Seminário Propedêutico D. Adriano Hypólito! Muito talvez tenha sido feito, pela graça de Deus, mas muito mais ainda deixei de fazer.
No entanto, mais do que expressar simplesmente o “mea culpa”, faz-se-me necessário reconhecer a graça de Deus em minha vida ministerial, a qual permitiu a concretização do pouco que realizei, a produção dos poucos furtos porque unido à videira verdadeira que é Cristo (cf. Jo 15)
Após ser ordenado padre, no dia 1.o de fevereiro de 2003, fui enviado em missão de serviço a uma paróquia profundamente ferida e dividida, dentre outra razões, à má missão de meu antecessor. D. Luciano pediu na missa de minha chegada à paróquia, na noite do dia 15 de fevereiro, que a comunidade paroquial “virasse a página” e caminhasse rumo a um novo tempo. Recordo com alegria e um sorriso nos lábios outra palavra de D. Luciano naquela noite: que havia duas grandes expectativas; uma, em relação ao novo presidente da república, Lula; outra, em relação ao novo pároco do Jardim Gláucia.
Nos quatro anos que passei à frente daquela paróquia dividida e sofrida, procurei das o máximo de mim, dentro das minhas limitações e o resultado foi ser reconhecido por esta paróquia dedicada a Nossa Senhora Aparecida como o padre que promoveu a comunhão entre as pastorais e as comunidades,e que uniu os fiéis através da acolhida, do abraço, do sorriso, das visitas, do carinho e do amor.
Confesso que este “sucesso” encheu-me o ego e julguei-me um excelente padre, preparado para fazer o mesmo em qualquer paróquia a que fosse enviado.
Ao ser enviado, após a Páscoa de 2008, para ser pároco em Tinguá, a paróquia mais pobre da Diocese – pobre em mais de um sentido –, sonhei-a transformada em pouco tempo em uma nova Ars, em uma paróquia exemplar, rede de comunidades, com resultados tão positivos quanto os do Jardim Gláucia.
Envergonhado, confesso que sonhei que o retorno dos fiéis à Igreja Católica seria tão extraordinário e imediato, que muitas igrejas evangélicas dali fechariam as portas. Pura ilusão, imaturidade e mediocridade.
A falta de resposta do povo, principalmente nas comunidades, deixou-me profundamente angustiado e até mesmo oprimido. Recordo um determinado final de semana em que não presidi na matriz, mas somente em três das cinco comunidades; as igrejas vazias, com 2 ou 3 pessoas apenas, uma apenas comungando, sem saberem dialogar na missa, sem cantarem... saí da última tão afetado – e até sentindo-me enfermo e febril – que fui para a minha quitinete no Vale do Ipê e, lá chegando, deitei-me, dizendo a Deus que aquilo não era Igreja, que aquilo não era vida para um padre. Naquele domingo, provavelmente no terceiro final de semana de maio de 2008, portanto, no meu segundo mês em Tinguá, ao reclamar com Deus, Ele me pediu que fizesse a mesma experiência de Jesus, segundo Fl 2, 5-11, ou seja, a quênosis. Para continuar em Tinguá e sentir-me feliz, precisei fazer o esvaziamento de mim mesmo e de toda expectativa. Não esperar absolutamente nada e a agradecer feliz a Deus pelo pouco ou muito que acontecesse foi e continua a ser o segredo da minha alegria em lá estar e também a alegria dos seminaristas, diáconos e do padre que lá passaram ou lá estão, aos quais ensinei o segredo da quênosis.
Unido à dificuldade característica da paróquia, a minha dificuldade de articulação pastoral talvez impeça que esta paróquia se desenvolva como poderá fazê-lo com outro pároco. Mas há em mim certa consciência de que Deus está realizando uma obra através de mim, obra esta que pode não ser a que eu gostaria, mas a que se faz necessária ali. O que tenho conseguido, com sacrifício, paciência e com imensa confiança na Providência divina é, aos poucos, tornar a paróquia de Tinguá autosuficiente financeiramente, não visando a minha pessoa, mas a dos meus sucessores. Sinto que para lá fui enviado, pois eu tinha condições de fazer renúncias que outros padres provavelmente não fariam, primeiro, porque já tive muito, desde a minha infância, e só pode renunciar a algo que já o teve; segundo, porque minha vida anterior ao sacerdócio me proporcionou uma pequena renda, fruto de um aluguel da minha casa em São Paulo, que sempre me ajudou os momentos de “vacas magras”, seja enquanto seminarista, seja como padre.
Não digo não à missão a que me envia Jesus, através da Sua Igreja, na pessoa do meu bispo diocesano. Vou aonde se faz necessária a minha presença e vou com alegria, embora algumas vezes com certo receio do novo, mas sempre com muita confiança em Deus e na intercessão de Maria, pois, apesar dos meus pecados, procuro ser-lhes fiel e obediente.
Olhando para trás, para os muitos erros e os acertos, percebo que estou sendo enviado para missões distintas a cada local também distinto. À Paróquia Nossa Senhora Aparecida, do Jardim Gláucia, a minha missão foi promover a comunhão paroquial, sua unidade então profundamente abalada, a fim de que meu sucessor, Pe. Paulo Pires, pudesse realizar aquilo que está realizando tão bem – a articulação pastoral – a qual seria muito difícil sem essa unidade. À Paróquia Nossa Senhora da Conceição, de Tinguá, diferentemente, minha missão está na área administrativa e financeira, preparando-a para um futuro sucessor viver dignamente e promover a articulação pastoral.
Concluo, assim, que as missões a que somos enviados não visam a nós e à nossa realização pessoal, ao contrário, visam sempre o outro, seja este o povo de Deus, seja os nossos sucessores, mas acima de tudo o Outro absoluto, que nos chama e nos envia.

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