Em
janeiro deste ano de 2015, durante as minhas férias mais necessárias do que
merecidas, enquanto viajava observei algumas situações que me levaram a
refletir sobre o casamento e, em consequência, sobre a família.
Entrando
em uma loja de souvenir, chamou-me a
atenção um jovem casal que se referia um ao outro não pelo nome, mas por
“amor”. Em cerca de cinco minutos perdi a conta das vezes em que se chamaram
dessa forma: “amor, veja que lindo!”, “um instante, amor!”, “quero comprar algo
para nós dois, amor!”, “este é mais bonito, amor!”... e era “amor” pra lá,
“amor” pra cá, tanto amor meloso que senti minha glicose subir.
Na
manhã seguinte, observando diversos casais maduros sentados à mesa para o
café-da-manhã, percebi quantos não trocavam sequer uma palavra entre si, como
se nada tivessem em comum ou a partilhar. Veio-me à mente dois casais com os
quais tenho partilhado a mesma mesa ao jantar, casados a muitos anos. Em um
deles, o mais freqüente a essa refeição comum, o marido não perde uma
oportunidade de insinuar que a esposa é burra, ao que ela apenas responde com
um pedido de desculpas. O outro, a quem vi menos vezes, também não se trata
bem; ouvi, inclusive, o marido mandá-la calar a boca quando ela fez um comentário
equivocado.
Comparando
o jovem casal cheio de “amor”, os dois com quem partilho a mesa do jantar e os
outros que nem se falavam, perguntei-me: o que aconteceu ao longo do casamento
que fez com que de casal apaixonado se tornasse um casal indiferente ou
agressivo?
Não
sei a resposta, mas sei que o cotidiano pode ser um veneno em qualquer tipo de
relacionamento. Não uma resposta, mas uma pista, encontrei em um jantar para
casais, realizado há mais de dez anos na Matriz da Paróquia Nossa Senhora
Aparecida, no Jardim Gláucia, da qual eu, então, era pároco, cuja recordação
veio-me à mente.
A
equipe que organizou o jantar teve a sensibilidade de colocar mesas espalhadas
no salão de festas com apenas duas cadeiras, tendo por finalidade que o casal,
sem outras pessoas juntas, pudesse conversar. Após uma dinâmica inicial e
antecedendo o jantar propriamente dito, os casais foram convidados a ir para o
pátio da igreja para... namorar. E ocorreu o incrível: a maioria dos casais não
sabia mais como namorar, estando visivelmente constrangida. Houve casal que
ficou encostado a uma parede, lado a lado, sem se tocar ou conversar. Mas, em
compensação, havia casais que ainda mantinham o carinho e as carícias em seu
relacionamento, e estes se abraçavam, acariciavam o rosto e o cabelo um do
outro, se beijavam. Não todos, mas alguns daqueles que não sabiam mais como
namorar, vendo aqueles que nunca deixaram de fazê-lo, aos poucos... (levou em
certo tempo, sim, e a iniciativa geralmente foi das esposas) foram se
achegando, dando-se as mãos, abraçando-se, dando beijinhos.
E
pergunto-me: como é possível manter um casamento feliz, sem demonstração de
afeto e carinho, com relações viciadas em indiferenças ou brigas, deixando que
apenas os problemas do dia-a-dia estejam presentes na vida? Para quem possa
estar dizendo “o que esse padre sabe sobre casamento, se não é casado?”, lembro
que Jesus se utiliza muito da imagem do matrimônio para falar da sua relação
com a Igreja, entendendo-a mais como povo de Deus do que como instituição. O
padre deve sentir-se casado com a Igreja e quando sentir-se em crise em seu
ministério, só sairá dessa crise se voltar ao primeiro amor, se ele se enamorar
novamente e sempre pela Igreja e pelo seu ministério. Só consegue ser feliz em uma
relação quem está enamorado!
Essa
minha reflexão levou-me a pensar também nas famílias – além dos esposos, os
pais e os filhos. E com simplicidade e humildade, neste início de ano, gostaria
de propor a todas as famílias, cristãs e não cristãs também, que aprendam a ser
igrejas
domésticas. Igreja é, no mínimo, comunhão de pessoas na mesma fé.
Assim,
apresento algumas dicas simples, porém que exigem boa vontade para serem
colocadas em prática, e que estão longe de ser exaustivas. 1) que nas famílias haja o esforço para superar os “vícios” de
tratamento que possam existir, havendo mais carinho em palavras e gestos:
quantas famílias não conseguem se tratar com respeito e carinho, apenas com
palavras grosseiras e depreciativas?!; 2)
que haja a oração em família, cotidianamente: muitas vezes vamos a outras casas
orar e fazer círculos bíblicos, no entanto, temos muitas vezes vergonha de
orarmos com nossas próprias famílias; 3)
participar em família das missas, principalmente as dominicais, com alegria:
pais que freqüentam a missa assiduamente junto com seus filhos, preparam-nos
para uma relação melhor com Deus, com eles, com a comunidade e com o mundo; 4) fazer passeios e viagens em família;
o lazer em comum une e fortalece os laços de amor e respeito entre as pessoas; 5) uma dica que foi tema de um artigo
que escrevi a alguns anos: fazer ao menos uma refeição ao dia em família, sem
televisão, rádio, dvd ou cd, tablet ou celular ligados. Esta última dica é
fruto de uma pesquisa científica feita durante cinco anos por uma universidade
estadunidense, que concluiu que fazer em família ao menos uma refeição diária
reduz em 80% as chances dos jovens se envolverem com drogas, com amizades
perniciosas, ou de haver gravidez precoce. Sem falar no adultério. Na refeição
em comum, sem nenhum aparelho eletrônico desviando a atenção, acontece o olhar
o outro nos olhos, o reconhecer imediatamente mudanças de comportamento, a
partilha de vida e de experiências pessoais.
Como
eu escrevi acima, essas dicas não são exaustivas, mas se nos esforçarmos por
colocá-las em prática, pedindo a proteção da Sagrada Família de Nazaré – Jesus,
Maria e José -, com certeza estaremos constituindo as nossas famílias como
igrejas domésticas. E aos casais em particular: nunca deixem de se enamorar um
pelo outro.
Que
a paz do Senhor se faça sentir plenamente em nossas vidas e famílias neste ano
de 2015 e sempre!
Pe. Nelson Ricardo
Cândido dos Santos
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