Lembro-me
que certa vez, estando ainda no Seminário, a minha Diretora Espiritual, próxima
de celebrar cinqüenta anos de vida consagrada, me disse que naquela semana,
durante a oração da Liturgia das Horas, havia descoberto um verso nos Salmos ao
qual nunca havia prestado atenção especial, apesar de o ter recitado muitas
vezes ao longo de sua vida. De fato, a Palavra de Deus é tão rica que, por mais
que a leiamos, a releiamos, e a leiamos novamente, mais vezes o façamos, ela
sempre será uma Palavra nova e viva, à medida que nossas vivências e
experiências nos transformam e renovam.
Recentemente
passei por experiência parecida, ao ler, na Liturgia da Palavra de uma
quarta-feira, durante a missa, um trecho da Segunda Carta de São Paulo aos
Coríntios: ““Saibam de uma coisa: quem semeia com mesquinhez, com mesquinhez há
de colher; quem semeia com generosidade, com generosidade há de colher. Cada um
dê conforme decidir em seu coração, sem pena ou constrangimento, porque Deus
ama quem dá com alegria. Deus pode enriquecer vocês com toda espécie de graças,
para que tenham sempre o necessário em tudo e ainda fique sobrando alguma coisa
para poderem colaborar em qualquer obra. (2Cor 9,6-8)”
Ao
longo de minha vida, tenho experimentado a eficácia da graça da partilha nas
mais variadas situações de minha vida pessoal e comunitária, experiências essas
com o dízimo, com a esmola, com a ajuda a pessoas e instituições de caridade.
Com isso, fui descobrindo e confirmando que a lógica do Reino de Deus é
contrária à lógica do mundo. Para o mundo, se dermos algo, ficaremos com menos.
Na dinâmica do Reino, vivida com amor neste mundo, quanto mais damos, mais
temos. Naquele conhecido “Canto da Paz”, atribuído a São Francisco de Assis, o
Pobre de Assis canta que “é dando que se recebe”.
Infelizmente,
no mundo consumista e acumulativo em que vivemos, em que o “ter” é mais
importante do que o “ser”, existem muitas igrejas que se autodenominam cristãs,
que, no entanto, estão longe da verdadeira Palavra de Deus, ensinando não a
verdade evangélica, mas mentiras com aparência de verdade, que atendem às
necessidades humanas egocêntricas e individualistas e não à vontade de Deus
para a humanidade. Quantas vezes nos deparamos com testemunhos pelos meios de
comunicação de pessoas que ficaram ricas após ingressarem em determinada
“igreja”. Muitas vezes ouvi o testemunho dessas pessoas e nunca ouvi, ao final
de cada um, qualquer palavra a respeito de caridade, de partilha, de ajuda aos
mais necessitados. Enriquecimento, acúmulo, troca de cônjuge, exibicionismo de
bens é o que ouvimos e que, mais infelizmente ainda, atrai pessoas para tais
“igrejas”. Ceifada da Sagrada Escritura proclamada nessas “igrejas” parece ter
sido a passagem em que Jesus, percebendo o apego do jovem rico a seus bens que
o impedem de seguir a Jesus na perfeição, ensina: “Em verdade, eu vos digo: um
rico dificilmente entrará no Reino dos céus. Eu repito, é mais fácil um camelo
passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus” (Mt
19,23-24; // Mc 10,23-25; Lc 18,24-25).
Voltando à
Palavra lida na Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios, descobrimos uma
maravilha do Reino que Deus concede aos que têm confiança em Sua Palavra:
aquele que semeia com generosidade, colhe com generosidade. Como é triste e
como eu lamento por tantas pessoas que não se permitem passar pela experiência
de viver segunda a dinâmica do Reino de Deus, apegando-se à lógica mesquinha do
mundo! Como eu gostaria que mais e mais pessoas passassem pela experiência
divinal de partilhar aquilo que é e o que tem: não apenas o fruto de seu
trabalho com os que muito pouco têm, mas também o seu olhar com os cegos, o seu
sorriso com os que choram, o seu ouvido com os que não ouvem ou não têm com
quem falar, a sua boca com os que não falam ou precisam de uma palavra de
conforto, o seu braço com os que precisam de um abraço, as suas mãos com os que
estão caídos ou necessitam de carinho, de afeto! Que mundo extraordinariamente
melhor teríamos para todos se, ao invés de nos fecharmos à partilha, vivêssemos
o convite de Deus à doação de nós mesmos ao bem comum! Quanta graça
conquistaria para si, para os seus, para a comunidade, para o mundo, se o ser
humano deixasse a dinâmica do egocentrismo e assumisse a dinâmica divina do
amor, em seu sentido mais pleno!
O que me
encantou nessa Palavra tantas vezes lida, mas só agora refletida e acolhida, é
que àqueles que partilham com alegria e generosidade “Deus pode enriquecer com
toda espécie de graças, para que tenham sempre o necessário em tudo e ainda
fique sobrando alguma coisa para poderem colaborar em qualquer obra”. Deus não
nos concede a graça da prosperidade e da abundância para ficarmos ricos e
acumularmos, mas sim para que, enriquecidos acima de tudo pela Sua graça,
possamos partilhar ainda mais. “A quem muito foi dado, muito será cobrado (cf.
Lc 12,48). “Não tenhais nenhuma dívida com quem quer que seja, a não ser a de
vos amardes uns aos outros; pois aquele que ama o seu próximo cumpriu
plenamente a lei (Rm 13,8). “Como a água apaga o fogo crepitante, assim a
esmola apaga os pecados” (Eclo 3,30).
Pe. Nelson Ricardo Cândido
dos Santos
Mendes, 27 de julho de 2015
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