EM PIRAPORA DO BOM JESUS


Quando olho para trás, revendo a minha vida, vejo tantos fatos e situações que forjaram a minha personalidade, com suas virtudes, mas também com traumas. Hoje, estou recordando uma experiência que tive aos 14 anos. Apesar dessa idade, eu ainda não era um adolescente, não havia entrado na puberdade. Eu era uma criança de coração puro e bastante reservada. Entre os quatro filhos de meus pais, eu era o caçula. Um tanto mimado, confesso, e bastante chorão. Chorava por qualquer coisa que meus irmãos fizessem comigo. 

Eu devia ter uns 12 anos quando, certa tarde de sábado ou domingo, pois meu pai estava fazendo a sua sesta, o que não acontecia durante a semana, eu o acordei chorando, porque um dos meus irmãos havia feito algo a mim (e nem me lembro qual deles ou o que foi). Meu pai acordou e, ao invés de me confortar, meu deu uma bronca dizendo: “Você chora por qualquer coisa!”. Eu fiquei tão indignado com aquela reação de meu pai, que decidi fugir de casa. Não preparei nem sequer uma trouxa de roupas, como visto em histórias em quadrinhos, apenas saí de casa. Seguia a rua de apenas um quarteirão que havia em frente à minha casa paterna, pensando em não mais voltar. Porém, nem cheguei ao meio do quarteirão e retornei ao lar, já que não tinha para onde ir. E, nesse mesmo dia, eu disse para mim mesmo: “Você é muito chato e chorão!”. E decidi que não mais choraria por qualquer besteirinha.  

Os meus dois irmãos mais velhos já tinham namoradas e com o tempo as três famílias viviam bem entrosadas, a ponto de irmos a festas dos familiares dessas namoradas. Praticamente todos os domingos almoçávamos na casa de uma delas. Alguns passeios eram feitos juntos.  Um deles, em particular, ficou em minhas lembranças de maneira única e especial. Fomos à cidade de Pirapora do Bom Jesus, integrado à Região Metropolitana de São Paulo. Nessa cidade, existe o Santuário do Bom Jesus de Pirapora, no qual está exposta para veneração uma imagem em madeira do Bom Jesus (Ecce Homo), encontrada em 1725 em uma corredeira, apoiado em uma pedra, no rio Tietê. No ano em que nasci, 1959, tornou-se município, emancipado de Santana de Parnaíba. 

Embora diste da capital do Estado de São Paulo apenas 60 quilômetros, nesse passeio passamos por Santana de Parnaíba e paramos em uma dessas costumeiras paradas de ônibus, onde há lanchonete e lembranças à venda. Nessa parada, tiramos uma linda foto com as três famílias reunidas. Esta foto tenho comigo até hoje e a escaneei décadas depois, enviando para membros das três famílias com quem ainda tenho contato via internet.  

Ao voltarmos para os carros, no estacionamento de terra apareceram duas meninas que tinham cerca de 7 ou 8 anos no máximo, que se aproximaram e começaram a cantar músicas sertanejas, com suas vozinhas afinadas e agudas. Todos ficamos encantados! Elas tinham aparência muito humilde e cantavam naquela parada para receberem algum trocado dos turistas e passantes. Recordo que fiquei compadecido daquelas meninas pobres e as levei em meu coração, mesmo após nos distanciarmos através da estrada. 

Finalmente chegamos a Pirapora do Bom Jesus. Na cidade, lembro-me de passearmos em canoas pelo rio Tietê, apesar da poluição crescente de suas águas, canoas essas tão estreitas, que balançavam, conforme cada passageiro entrava, dando a impressão de que viraria e jogaria todos ao rio. Mas o que marcou e está marcado até hoje em meu coração, foi a visita ao Santuário. Atrás do presbitério havia uma espécie de corredor bem estreito por onde os peregrinos passavam para ver a imagem do Bom Jesus, humilhado durante a Sua Paixão. Os peregrinos avançavam a passos lentos, parando abaixo da imagem do Ecce Homo por alguns instantes, dando tempo apenas para fazer uma breve oração.  

Eu estava na fila, como todos, e próximo a mim estava a Vera, mãe da namorada de meu irmão mais velho. Conforme avançávamos e eu olhava para a imagem do Bom Jesus, eu senti algo muito estranho, difícil de descrever, mas que fazia meu coração arder e bater mais acelerado à medida que me aproximava da imagem. Quando chegou a minha vez de estar abaixo do Bom Jesus, fiz uma breve oração e segui o caminho para a saída.  

Estando no exterior do Santuário, a Vera perguntou-me ao ouvido: “O que você pediu?” E eu lhe disse: “Pedi por aquelas menininhas que vimos cantando”. A Vera emocionou-se e me abraçou, sem dizer nada.  

Eis uma experiência de fé simples, mas que trago comigo há mais de 50 anos. 

Penso em tantas crianças cujos pais lhes deram a vida, mas não o que é mais importante após a geração daquela vida: a FÉ. Se estes pais lhes presenteassem com fé, principalmente como testemunho próprio, possibilitando pequenas experiências como esta, com certeza teríamos mais pessoas amantes da vida e do próximo.  

Infelizmente, por falta de opção na vida, falta essa gerada, em sua maioria, por pais e padrinhos indiferentes à fé, muitas crianças caminham segundo o mundo (pouquíssimas fazendo o bem) e a maioria forma uma massa indiferente a tudo o que acontece.  

 

Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos 

13-14/08/2024  

 

 

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