CARTA ABERTA AOS CATÓLICOS SOBRE A ACUSAÇÃO AO PAPA FRANCISCO DE HERESIA



                Há poucas semanas atrás, a Igreja Católica celebrou o Tríduo Pascal, fazendo memória da Instituição da Eucaristia e do serviço, e da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ainda na Segunda Semana da Páscoa, precisamente no dia 30 de abril deste ano de 2019, um grupo de teólogos (faço questão de mencioná-los com “t” minúsculo) e padres, encabeçado por um cardeal (também com “c” minúsculo), divulgou uma carta aberta ao Colégio dos Bispos da Igreja Católica acusando o papa Francisco de "heresia”, incitando que o conjunto dos bispos católicos deve investigar Francisco pelo "delito canônico da heresia" e que outros sacerdotes critiquem Francisco publicamente.
            Venho através desta Carta Aberta posicionar-me totalmente contrário ao que a carta aberta do grupo de “teólogos” prega e vindo em defesa do Papa Francisco. Sou um simples padre da periferia do mundo, assim como o Papa Francisco, e talvez alguém possa dizer: “Quem é este padre insignificante para ter a audácia de responder a um grupo tão proeminente e culto?” Não vivo na “judeia eclesial”, mas na “galileia” da Igreja Católica. Pode vir alguma coisa boa da América do Sul? – algum membro do deste “sinédrio católico” pode perguntar. Um futuro discípulo de Jesus duvidou quando lhe falaram a respeito de Jesus como sendo o Messias anunciado por Moisés: “Perguntou-lhe Natanael: Por ventura pode vir coisa boa de Nazaré?” (Jo 1,46). Longe de me comparar ao Messias, sei apenas que “o servo não é maior do que o seu Senhor” (Jo 13,16b) e, assim, se o próprio Jesus de Nazaré, meu Mestre e Senhor, foi acusado de blasfêmia a ponto de os judeus pegarem em pedras para apedrejá-lo (cf. Jo 10,31), o Papa Francisco segue os passos de seu Mestre e Senhor. Cabe as mesmas perguntas ao “sinédrio católico” que Jesus proferiu aos judeus: “Tenho-vos mostrado muitas obras de parte do meu Pai. Por qual dessas obras quereis me apedrejar?” (Jo 10,32b).

            O “sinédrio católico” aponta as obras do Papa Francisco pelas quais acusam-no de heresia: “Os motivos, dizem os signatários, é que o papa teria suavizado posições que, na opinião deles, vão contra os mandamentos da igreja em diferentes assuntos: os acusadores afirmam que Francisco não tem se oposto veementemente o bastante ao aborto, tem dado sinais de abertura do Vaticano a homossexuais e divorciados, e tem se aproximado de protestantes e muçulmanos. Em 2015, por exemplo, o papa organizou uma conferência no Vaticano na qual tentou relaxar as regras que impedem divorciados e pessoas em um segundo casamento de receber a Comunhão - uma vez que a igreja considera o casamento indissolúvel e o novo casamento, um adultério. Eles também citam casos em que o papa teria protegido ou sido conivente com cardeais e bispos que, segundo a carta, estariam protegendo abusadores sexuais ou até cometido abusos. Uma parte significativa da carta se concentra em críticas a um documento papal do ano seguinte, o Amoris Laetitia (A Alegria do Amor, em tradução livre), em que Francisco fala em tornar a igreja mais inclusiva e menos disposta a julgamento de seus 1,3 bilhão de fiéis. No documento, o papa pede uma igreja menos rígida e mais cheia de compaixão diante qualquer membro "imperfeito", como os divorciados e os em segundos casamentos civis”.
             Ao ler tais motivos, lembro-me, em primeiro lugar, das palavras do Papa Francisco na homilia da sua primeira Quinta-feira Santa, em 2013, após assumir a Cátedra de Pedro: “O sacerdote, que sai pouco de si mesmo, que unge pouco – não digo “nada”, porque, graças a Deus, o povo nos rouba a unção –, perde o melhor do nosso povo, aquilo que é capaz de ativar a parte mais profunda do seu coração presbiteral. Quem não sai de si mesmo, em vez de ser mediador, torna-se pouco a pouco um intermediário, um gestor. A diferença é bem conhecida de todos: o intermediário e o gestor “já receberam a sua recompensa”. É que, não colocando em jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do coração; e daqui deriva precisamente a insatisfação de alguns, que acabam por viver tristes, padres tristes, e transformados numa espécie de colecionadores de antiguidades ou então de novidades, em vez de serem pastores com o “cheiro das ovelhas” – isto vô-lo peço: sede pastores com o “cheiro das ovelhas”, que se sinta este –, serem pastores no meio do seu rebanho e pescadores de homens.”  Esses “teólogos” têm cheiro de traça e não das ovelhas. Conhecem em profundidade as letras da Sagrada Escritura, mas não a Palavra de Deus; têm cultura bíblica, mas não Sabedoria; são fariseus autocomplacentes, mas não misericordiosos com o próximo (cf. Lc 18, 9-14). Carregam com orgulho sua prepotência e, por falta de humildade, continuam sem justificação e redenção.
            Este “sinédrio católico” diz que Francisco não tem se oposto veementemente o bastante ao aborto. Entretanto, no dia 18 de junho de 2018 ele disse que o aborto, em alguns casos, é o “nazismo com luvas brancas”. “Lutar contra injustiça é tão importante quanto combater ao aborto”, afirmou o Papa no dia 9 de abril de 2018, e no documento Galdete et exultateFrancisco critica católicos que relativizam os ensinamentos sociais da Igreja. A 29 de setembro de 2013, o Papa discursou: “Entre estes seres frágeis, de que a Igreja quer cuidar com predileção, estão também os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade humana para poder fazer deles o que apetece, tirando-lhes a vida e promovendo legislações para que ninguém o possa impedir. Muitas vezes, para ridiculizar jocosamente a defesa que a Igreja faz da vida dos nascituros, procura-se apresentar a sua posição como ideológica, obscurantista e conservadora; e, no entanto, esta defesa da vida nascente está intimamente ligada à defesa de qualquer direito humano". No dia 24 de novembro de 2013, o Santo Padre ressaltou que “Infelizmente, objeto de descarte não são apenas os alimentos ou os bens supérfluos, mas muitas vezes os próprios seres humanos, que acabam ‘descartados’ como se fossem ‘coisas desnecessárias’. Por exemplo, causa horror só o pensar que haja crianças que não poderão jamais ver a luz, vítimas do aborto". E, aos membros do corpo diplomático, a 13 de janeiro de 2014, o Papa afirmou: “Nos dias de hoje, para a economia que se implantou no mundo, onde no centro se encontra o deus dinheiro e não a pessoa humana, o resto é ordenado a isso, e o que não faz parte desta ordem é descartado. Descartam-se os filhos que são a mais, que incomodam ou que não é oportuno que nasçam… Os bispos espanhóis falaram-me, recentemente, sobre o número de abortos, e eu fiquei petrificado.”, espantou-se Francisco. Talvez esse grupo ultraconservador deseje que a fogueira seja a pena imputada aos que fazem realizam aborto. Cabe à Igreja, assim como fez Jesus de Nazaré, anunciar a vontade de Deus e o Seu Reino. O anúncio está sendo feito, mas não se pode obrigar ninguém a cumprir esse anúncio. Se nem Deus nos obriga a segui-lo, mas, sim, nos convida, como podemos querer que as pessoas façam tudo como a Igreja orienta? O mundo tem mais influência sobre a vida das pessoas do que a igreja e a família. A misericórdia deve ser estendida ao abortado e a quem abortou. Não será condenando ao inferno que ajudaremos na salvação de quem abortou. Aquele pastor que tem “cheiro de ovelhas” sabe que, em muitos casos, um aborto foi realizado sob intensa pressão e que muitas mães que abortaram seus filhos ante uma determinada situação carregam para o resto da vida um peso do qual, muitas vezes, nem o Sacramento da Reconciliação consegue aliviar. Minha experiência pastoral me ensinou que confessando e orientando uma mãe que abortou no passado, e acolhendo-a, podemos proporcionar uma experiência de autoperdão e ainda transformar o seu pecado gravíssimo em bênção para outras crianças que vivem no mundo sem o amor de uma mãe, sem família, sem estrutura mínima para uma vida digna. Encaminhá-la para uma pastoral, como a Pastoral da Família, ou para prestar serviço voluntário em orfanatos ou casas-lares de crianças cujos pais perderam a guarda por violência, drogas ou miséria extrema, dando a outras crianças o amor e tudo aquilo que daria ao seu filho não trará o abortado de volta, mas sua morte não terá sido em vão, uma vez que abre a pecadora ao amor ao próximo. Cabe à Igreja continuar a posicionar-se contrária ao aborto, mas também ajudar a transformar vidas a partir de seus pecados, reconciliando almas com o Deus da Vida.
            Este grupo neofarisaico que assinou a carta aberta contra o Papa Francisco critica a abertura do Vaticano a homossexuais: outro ponto que mostra que os signatários estão completamente distantes do povo e da misericórdia de Deus. Será que nunca confessaram um jovem homossexual? A Igreja tem que acolher a todos, como fez Jesus. Tem de pescar em sua rede os “cento e cinquenta e três peixes” (Jo 21,11), ou seja, todo tipo de peixe, pois nenhum ser humano está excluído da Salvação operada por Jesus. Se a Igreja não o acolhe, quem orientará o homossexual? Com certeza o mundo o fará, mas que orientação lhe dará? Lhe dará a orientação voltada a si mesmo, ao egocentrismo, ao hedonismo, ao escândalo e à promiscuidade. É o amor que a Igreja tem de anunciar ao todos e também aos homossexuais. Que dor existe no jovem católico que se percebe homossexual! Não é uma questão de opção, mas de orientação interior que foge à vontade desse jovem. Lembro-me de um jovenzinho que certa vez veio-me procurar. Membro efetivo e servidor da Igreja. Revelou-me ser homossexual. Contou-me que não gostaria de ser, mas era algo mais forte do que sua vontade. Disse-me que tentou namorar uma menina, mas, quando estava com ela, seus olhos voltavam-se, sem o querer, para os meninos. Que imenso drama senti naquele rapazinho! O que pude eu fazer a não ser acolhê-lo e orientá-lo para o amor, para o respeito ao próximo e para não ser causa de escândalo para ninguém?! Pedi que continuasse na Igreja, que fosse ouvinte e praticante da Palavra, pois fora dela com certeza se perderia. E ensinei-lhe uma palavra da sagrada Escritura, extraída do livro do Eclesiástico: “Assim com a água apago o fogo, a caridade apaga o pecado” (Eclo 3,33). Acrescentando: se não podemos nos salvar pelas nossas virtudes, ao menos nos salvemos pela caridade (cf. Mt 25, 31-46). O meu Mestre me ensinou a acolher e orientar, e não condenar. Em relação à adúltera flagrada em adultério e que levam a Jesus, como termina a história? “Ninguém te condenou? Eu também não te condeno. Vá e não peques mais” (cf. Jo 8, 3-11). Este “sinédrio católico” lembra-me o irmão mais velho da parábola do Pai Misericordioso e do filho pródigo. De que adianta a esse filho que nunca ter saído da casa do pai se ele exclui o seu irmão arrependido de sua família (“este teu filho”, diz ao pai, e não “este meu irmão”) e se nega a entrar no banquete oferecido pelo pai ao filho que voltara a viver? Se o filho mais velho não entrar para a festa, que é a imagem da vida eterna, perderá essa verdadeira vida. Só está excluído da salvação aquele que exclui. Que imenso exemplo de discípulo de Cristo é o nosso papa Francisco, que não quer perder nenhum daqueles que Jesus lhe confiou! (cf. Jo 6,39).
            Os signatários da carta criticam, ainda, o Papa Francisco por acolher os divorciados e os casais em segunda união. Mais uma vez, uma atitude de Bom Pastor do Papa Francisco, o Papa da Misericórdia de Deus, é incompreendida. Lembrar, em primeiro lugar que a separação e divórcio não afastam ninguém, a priori, da Eucaristia, a não ser que a pessoa seja a culpada pela separação por falta grave e não tenha arrependimento. O Sacramento do Matrimônio é indissolúvel, segundo as palavras de Jesus em Mateus: “O que Deus uniu o homem não separe” (Mt 19,6). A partir dessa afirmação de Jesus, a Igreja pode abrir um processo canônico para verificar se houve realmente essa união por Deus. As condições em que o Matrimônio foi celebrado pode dar à Igreja, após longo, cuidadoso, refletido e prudente processo, a certeza de que o Matrimônio celebrado pode ser considerado nulo. Não se anula um Matrimônio, mas considera-se que sua celebração foi nula, isto é, não constituiu Sacramento, mesmo tendo havido a celebração, a bênção, a consumação e até mesmo a geração de filhos. E outras palavras, esse casamento não existiu como Sacramento e, portanto, após a declaração de nulidade expedida pelo Tribunal Eclesiástico local. Nesse mesmo capítulo de Mateus, Jesus afirma, quando os fariseus o colocam à prova: “Eu vos declaro que todo aquele que rejeitar sua mulher, exceto no caso de matrimônio falso, e esposar uma outra, comete adultério. E aquele que esposar uma mulher rejeitada comete também adultério.” (Mt 19,9). E sabemos que adultério é pecado grave, que tira o pecador da comunhão plena com a Igreja e com Deus. “Exceto no caso de matrimônio falso” abre a possibilidade de uma nulidade matrimonial, a partir do ensinamento de Jesus. Algumas situações podem levar a Igreja a crer que uma celebração não constituiu matrimônio válido, ou seja, que é nulo, ou, em outras palavras, “que Deus não uniu”, pois faltaram condições para essa união sacramental. Por exemplo, casamentos contraídos já na infidelidade de uma ou de ambas as partes; engano de pessoa, ou seja, logo após o casamento um cônjuge revela ao outro uma personalidade bem diferente de quando estavam noivos; pressão interna ou interna e falta de liberdade para contrair o matrimônio; ignorância ou imaturidade para viver as responsabilidades matrimoniais; impedimentos chamados dirimentes e outras causas podem resultar na nulidade do matrimônio. O que o Papa Francisco fez, em 2015, ao publicar a Carta Apostólica em forma de “Motu Próprio” Mitis Iudex Dominus Iesus, sobre a reforma do Processo Canônico para as causas de declaração de nulidade do matrimônio no código de Direito Canônico, não foi relaxar nenhuma regra, mas, como o próprio Jesus fez ante leis que em sua origem favoreciam o ser humano e com o tempo se transformaram em meio de opressão do povo, como o dia de sábado (cf. Ex 20,8-11), facilitar e desburocratizar os processos de nulidade matrimonial, muito longo, com custo altíssimo para a maioria da população. Somente uma Pastor com cheiro das ovelhas compreende a dor do seu rebanho que passou por uma experiência frustrada de casamento e, após a ruptura desse, encontra outra pessoa com quem sente que vive a união tão querida por Deus. Nunca o Papa Francisco orientou que o clero fosse laxista em relação às separações e segundas uniões. Ele procurou facilitar o retorno à comunhão plena com a Igreja dos casais em segunda união. Existe um processo canônico que tem de ser respeitado, pois se está tratando de um Sacramento. Sentindo a misericórdia de Deus em seu coração, o Santo Padre acolheu os casais em situação irregular para que, canonicamente, voltem à comunhão plena com a igreja. Se a família, mesmo imperfeita, não for acolhida e orientada, quem o fará, erroneamente, será o mundo.
Em relação à acusação de o Papa Francisco ter protegido ou sido conivente com cardeais e bispos que, segundo a carta, estariam protegendo abusadores sexuais ou até cometido abusos, antes mesmo desta carta do “sinédrio católico” vir a público, Francisco discursou ao final da celebração eucarística do Encontro “A proteção dos Menores na Igreja”, ocorrido entre os dias 21 e 24 de fevereiro de 2019, de onde destaco: 1) Reforçar e verificar as diretrizes das Conferências Episcopais: ou seja, reafirmar a necessidade da unidade dos Bispos na aplicação de parâmetros que tenham valor de normas e não apenas de diretrizes. Normas, não somente diretrizes. Nenhum abuso deve jamais ser encoberto (como era habitual no passado) e subestimado, pois a cobertura dos abusos favorece a propagação do mal e eleva o nível do escândalo. De modo particular, é preciso desenvolver um novo enquadramento eficaz de prevenção em toda as instituições e ambientes das atividades eclesiais; e 2) Faço um sentido apelo à luta total contra os abusos de menores, tanto no campo sexual como noutros campos, por parte de todas as autoridades e dos indivíduos, porque se trata de crimes abomináveis que devem ser cancelados da face da terra: pedem isto mesmo as muitas vítimas escondidas nas famílias e em vários setores das nossas sociedades. E alguns sinais concretos foram apresentados pelo Santo Padre: 1) Expulsão do ex-cardeal americano Theodore McCarrick, de 88 anos, acusado de abusos sexuais. Decisão inédita do Vaticano; 2) Criação da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores para escutar as vítimas e estabelecer diretrizes para o enfrentamento e prevenção dos casos; 3) Publicação do Motu Proprio “Como uma mãe amorosa”, em que afirma a possibilidade de expulsão de bispos por “negligência ou omissão” em casos de abuso; 4) Cúpula sobre Abusos de Menores: com presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo para analisar crimes sexuais do clero.
Finalmente, o Papa Francisco é acusado de se aproximar de protestantes e muçulmanos. Recordo de um padre polonês, Pe. Edward Staniek, teólogo e ex-reitor do seminário de Cracóvia, que disse durante a sua homilia na Igreja das Irmãs Felicianas, em Cracóvia, no dia 17 de março de 2018, na qual criticou vários aspectos pastorais do Papa Francisco, como a aproximação e o diálogo com os muçulmanos: “Rezo para que o Papa em sua sabedoria abra o seu coração ao Espírito Santo, caso contrário, rezo pela sua pronta partida à casa Pai”. Quem deveria abrir-se ao Espírito Santo é esse sacerdote egocêntrico e preconceituoso, certamente mais um homem de espírito farisaico dentro da Igreja, que, como tantos outros membros de clero e leigos, estão trabalhando contra a unidade da Igreja. Jesus, falando sobre Satanás, afirmou que “se um reino estiver dividido contra si mesmo não pode durar. Se uma casa está dividida contra si mesma, tal casa não poderá permanecer” (Mc 3,24-25). Como a Igreja será sinal do Reino de Deus se aqueles que deveriam trabalhar pela sua unidade são os que estão a dividi-la? No mundo radicalmente egocêntrico em que vivemos, cada qual deseja que a própria vontade e seus conceitos e preconceitos prevaleçam. Caso tal não se dê, faz-se como esse triste padre polonês, pedindo a morte daquele que não lhe faz a vontade, mesmo que esse seja o Vigário de Cristo. Membros ultraconservadores da Igreja (e os ultraconservadores estão presentes em toda a sociedade por todo o mundo; vide o resultado de tantas eleições presidenciais pelo mundo) repetem as ações e julgamentos do sinédrio judaico do tempo de Jesus, que não conseguem enxergar no Homem de Nazaré aquele Messias anunciado nas Sagradas Escrituras, por estarem preocupados com seus interesses e poderes pessoais. Toda a nossa fé deve estar centrada na pessoa de Jesus de Nazaré e nos seus ensinamentos, que estão acima de qualquer outro ensinamento, inclusive do Antigo Testamento, como nos é revelado pelo episódio da Transfiguração do Senhor, quando Deus-Pai afirma, no monte santo, onde Jesus está ao lado de Moisés e de Elias, imagens da Lei e da Profecia, “Eis o meu Filho muito amado no qual eu ponho o meu agrado: ouvi-O” (cf. Mt 17,1-9; Mc 9,2-13; Lc 9,28-36). Grande parte da Igreja hoje ao invés de ouvir Jesus atém-se a aspectos secundários, como se esses fossem essenciais à salvação: língua, vestes, liturgia, cantos, funções... que se bem utilizados são uma grande riqueza para a Igreja e para os fiéis, que não devem ser desprezados, mas que nada representam se não anunciarem Cristo e o Amor. Grandes pecados são condenáveis, mas somente a Caridade praticada em nome de Jesus em favor do mais necessitado, nos salvará (cf. Mt 25,31-46). Uma teologia excludente é condenável, como Jesus condenou o comportamento hipócrita dos fariseus. A verdadeira Igreja de Cristo é inclusiva e misericordiosa e são estes aspectos que trarão a paz à Igreja e ao mundo. Aspectos secundários só dividem. A questão “filioque”, por exemplo, dividiu a Igreja há um milênio atrás. Sinceramente, o que esta questão ajuda o povo de Deus em sua salvação? Não digo para ser ignorada, mas levou à separação, à divisão. Questões litúrgicas dividiram a Igreja pós-Conciliar. A beleza ou a tradição litúrgica que deveria unir, dividiu. A liturgia da Palavra do quarto Domingo da Páscoa deste ano, o chamado Domingo do Bom Pastor, é uma luz para o anúncio da Palavra de Deus para toda a humanidade. Como anunciar aos que não conhecem Jesus ou estão em outras Igrejas, sem nos aproximarmos, sem ir ao encontro deles? Jesus passou os anos de sua vida pública caminhando, indo ao encontro principalmente dos pecadores e excluídos. Enviou, incialmente, os 12 apóstolos, depois 72 e, finalmente, após Sua Ressurreição e imediatamente antes de ascender aos céus deu esta ordem a todos os Seus discípulos: “Ide, pois, ensinais a todas as nações; batizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinai-as a observar tudo o que eu vos prescrevi. (Mt 28, 19-20a). Voltando a reflexão ao quarto Domingo da Páscoa deste ano C, a recusa à Palavra de Deus e a Jesus por parte dos judeus, abriu a Salvação à universalidade dos gentios (At 13,14.43-52). O livro do Apocalipse nos apresentou a visão de São João em que o hagiógrafo diz: “Eu, João, vi uma multidão imensa, que ninguém podia contar,
de todas as nações, tribos, povos e línguas” (Ap 7,9a), o que nos lembra o “Juízo Final” narrado em Mateus no capítulo 25: “Quando o Filho do homem voltar em sua glória e todos os anjos com ele, sentar-se à no seu trono glorioso. Todas as nações se reunirão diante dele, e ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos.” (Mt 25,21-32). A passagem completa nos ensina que não seremos julgados apenas pelos nossos pecados, mas principalmente pela nossa falta de caridade” (cf. Mt 25,33-46). O curto Evangelho desse dia nos fala do Bom Pastor, que é o próprio Jesus: “As minhas ovelhas escutam a minha voz. Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me.” (Jo 10,27). Se os signatários da carta, aos quais se juntaram mais 66 assinaturas, mas de ninguém com relevância dentro da Igreja, ouvissem a voz do Bom Pastor, o nosso Mestre Jesus, veriam nas ações do Papa Francisco um sinal encarnado da Misericórdia de Deus. Ele está sendo, no momento, como Vigário de Cristo, a imagem do Bom Pastor, que vai ao encontro das ovelhas perdidas, quem tem o cheiro das ovelhas, o que duvido que qualquer destes signatários saiba o que significa. É o Papa que proclamou o ano de 2016 o Ano da Misericórdia. O Papa que convocou toda a Igreja e os homens de mulheres de boa vontade a se unirem, a cada ano, no XXXIII Domingo do Tempo Comum, para celebrar concretamente o Dia Mundial do Pobre, a partir de 2017.
Estas são as “heresias” atribuídas ao Papa Francisco por este “sinédrio” néscio, que, assim como o Sumo Pontífice atual é, para o mundo, a imagem da Misericórdia de Deus, é sinal da impiedade e estultícia que um dia matou Jesus e que ainda continua a crucificar os verdadeiros discípulos de Jesus, como é o caso do Papa Francisco. “Saulo, Saulo, por que me persegues? (At 9,4b); essa acusação de heresia feita ao Papa Francisco é acusação ao próprio Jesus. “Tenho-vos mostrado muitas coisas boas de parte de meu Pai. Por qual dessas obras me apedrejais?” (Jo10,32b).
O “sinédrio” atual acusa o Papa Francisco de “heresia”; no entanto, ao posicionarem-se contra o Sucessor de Pedro, colocam-se fora da comunhão com a Igreja Católica Apostólica Romana, ou seja, estão-se excomungando. No coração de bom pastor do Papa Francisco, com certeza brota a mesma oração que brotou do coração de Jesus crucificado: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34b).
Que possamos rezar hoje e sempre pelo nosso amado Papa Francisco, por seus detratores e pela unidade da Igreja: “À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus. Não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades, mas livrai-nos sempre de todos os perigos, ó virgem gloriosa e bendita. Amém.” E: “São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede o nosso refúgio contra as maldades e ciladas do demônio. Ordene-lhe Deus, instantemente o pedimos, e vós, príncipe da milícia celeste, pela virtude divina, precipitai no inferno a satanás e a todos os espíritos malignos, que andam pelo mundo para perder as almas. Amém”.
                                                                                                                                                                                                 


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