IMAGENS NA IGREJA CATÓLICA: IDOLATRIA OU EXPERIÊNCIA COM DEUS?

     Uma jovem senhora, que há pouco tempo passou a frequentar uma das comunidades da paróquia a que eu sirvo, ontem veio procurar-me para tratar de um trabalho voluntário que deseja fazer em nossa Matriz. Ao final da conversa, disse-me que está lendo a Bíblia os poucos e que tem dificuldades com algumas passagens, o que é muito natural para os que têm pouco contato com as Sagradas Escrituras. Lembro-me que o mesmo ocorreu comigo quando retornei à Igreja, após 26 anos ausente, a partir da minha Primeira Comunhão. Uma das primeiras ações que fiz, além de procurar uma paróquia para participar, foi ir a uma livraria católica comprar uma Bíblia. Recordo-me que na minha casa paterna havia uma Bíblia da época do casamento de meus pais (era comum o novo casal receber a Sagrada Escritura) e que na minha juventude foi colocada, por um dos meus irmãos, em um porta-Bíblia comprado no Embu, cidade próxima a São Paulo em que há muitas lojas de artesanato e uma grande feira dominical, que lota a região central dessa cidade histórica e turística. Essa Bíblia em seu suporte permaneceu em cima de uma mesa console que havia na sala, até a casa ser vendida mais de 30 anos depois. Além disso, havia uma Bíblia pesada, publicada em fascículos pela Editora Abril, edição luxo em vários volumes, com imagens das inúmeras obras de grandes artistas que se inspiraram na Sagrada Escritura. Certa vez, em minha adolescência, uma das mais marcantes professoras que tive a graça de ter como referência, comentou em uma das aulas sobre um quadro clássico que retratava a Torre de Babel. Embora eu não lesse a Bíblia, folheei muitas vezes aquela obra em volumes e tinha uma ideia do que continha. A professora, Carmen Terezinha dos Santos, descreveu a obra, dizendo, em certo momento, que gostaria de ver esse quadro. Se fosse hoje, seria só entrar no Google e pesquisar “Torre de Babel” e clicar em “imagem” e encontraria a pintura. Mas as coisas eram muito diferentes naquela era pré-internet. Porém, eu me lembro de ter visto aquela imagem descrita pela professora. Ao chegar em casa, fui procurar na Bíblia da Editora Abril e não foi difícil achar a imagem. Coloquei aquele pesado livro em minha mala escolar e na próxima aula de Português mostrei à dona Carmem, que se alegrou com meu gesto. 

     No entanto, apesar dessas Bíblia em casa, eu não tinha hábito de ler as Sagradas Escritura e só passei a fazê-lo após voltar a participar da Igreja Católica. Não me recordo quais foram as minhas dúvidas, mas sei que eram muitas. A lembrança dessa época, quando eu já estava com quase 40 anos, foi que fiquei admirado ao constatar que o Deus do Antigo Testamento é um Deus que caminha com Seu povo. Quando entrei para o Seminário, em 1999, iniciando o Curso de Teologia, este “caminhar junto de Deus” foi destacado. 

    Voltando à jovem senhora com quem eu conversei ontem, ela disse ter lido a passagem em que Deus proíbe a a confecção de imagens. Então, por que a Igreja católica tem imagens, se Deus a proibiu? Uma boa pergunta a qual muitos católicos são confrontados por alguns cristãos de igrejas normalmente pentecostais ou neo-pentecostais, que fazem questão de acentuar o que nos separa e não o que nos une, esquecendo-se da caridade, do amor, que deve unir não apernas os cristãos, mas toda a humanidade, pois essa é a vontade de Deus. "Para que todos sejam um, assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo creia que tu me enviaste." (Evangelho segundo João 17, 21). “Portanto ide pelo mundo, anunciai o Evangelho a todas as nações, batizando-as em nome do Pai, e do filho e do Espírito Santo; ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado.” (Evangelho segundo Mateus 28, 19-20). 

    Após a pergunta dela, eu lhe disse: Imagine que você fosse dependente química e passasse por um processo de libertação das drogas. Uma das primeiras orientações que receberia ao sair é que evite as drogas em geral. No caso do povo de Israel, escravizado no Egito, por muitas gerações viveu naquele país em que reinava a idolatria, o que os fazia adorar criaturas de Deus (animais) como se fossem deuses. Naturalmente, àquele povo contaminado pela idolatria, Deus proibiu que fizesse imagens e pediu que O amasse acima de todas as criaturas (cf. Êxodo 20, 2-4 ). A idolatria estava tão impregnada no povo libertado do cativeiro egípcio que, ante a demora de Moisés no Monte Santo, local onde ele recebeu do próprio Deus as Tábuas da Lei (o Decálogo ou 10 Mandamentos), quando ele desceu encontrou o povo adorando um bezerro de ouro. No entanto, no Livro dos Números, quando o povo ainda caminhando no deserto blasfema contra Deus e contra Moisés, serpentes venenosas começam a picas as pessoas, que morriam. Pedindo a intercessão de Moisés, para que Deus os livrasse das serpentes, Deus diz a Moisés para fazer uma serpente abrasadora (de bronze) e a colocasse na ponta de uma haste, para que aqueles que fossem picados e olhassem para a serpente de bronze não morressem (Números 21, 8-9). E o próprio Jesus referiu-se a essa serpente de bronze, que é a prefiguração da Cruz redentora do Senhor (Evangelho segundo João 3, 14-15). Mas no Segundo Livro dos Reis, quando o filho de Acaz, Ezequias, sobe ao trono, manda destruir a serpente de Moisés, a quem o povo ainda queimava incenso (Segundo Reis 18, 4). 

    Diante dessas palavras das Escrituras, surge uma questão: então existem imagens que são idolatrias e outras que nos aproximam de Deus? 

    A resposta é: SIM. As imagens de idolatria não são queridas por Deus, pois deixa-se de confiar no Senhor, o Autor de toda a vida, para cultuar uma criação de Deus. Outras imagens, no entanto, nos aproximam de Deus. É neste grupo que estão as imagens veneradas na Igreja Católica. Hás as imagens do próprio Jesus, as que representam Maria e outras que representam os discípulos de Jesus que, ao longo dos séculos, foram exemplo de seguimento do Mestre Jesus. Homens e mulheres com as mesmas dificuldades humanas que todos nós, mas que conseguiram, confiando no Senhor, assemelhar-se ao próprio Cristo, de quem fomos criados à Sua imagem e semelhança. Viver é um processo constante de assemelhamento a Deus e que só cessa com a nossa morte. 

     Quantas pessoas têm devoção a um ou outro santo ou santa, pois encontra em suas vidas um exemplo de discipulado do Mestre! Não é idolatria! São exemplos para nós, católicos (e podem ser também para outras igrejas e religiões. Lembro-me de um professor de História, professor Levy, que trabalhava na mesma escola em que eu lecionava em São Paulo, e que era pastor. A tese de Mestrado dele foi sobre Francisco de Assis e sua influência na história da Europa no final da Idade Média. Ele chegou a me dizer: “Francisco não é da Igreja Católica, pertence ao mundo”). 

    Porém, se algum católico, de veneração passar à idolatria do santo apresentado pela Igreja Católica, estará errando e pecando, fora da comunhão com a Igreja. 

     Que a nossa veneração aos santos e santas representados nas imagens presentes na Igreja Católica sempre nos levem a confiar em Deus acima de tudo e adorá-lo em todas as situações da vida, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até à nossa morte, como testemunharam os diversos santos e santas beatificados ou canonizados (reconhecidos como verdadeiros cristãos) pela Igreja Católica. 


Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos 

24 de junho de 2022 – Solenidade do Sagrado Coração de Jesus

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