JESUS MORREU POR TODOS NÓS... E POR MIM TAMBÉM

Em 1998, foi produzido o filme “O Resgate do Soldado Ryan”, um filme épico de guerra estadunidense ambientado no conhecido desembarque na Normandia ou Dia D, a 6 de junho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, dirigido por Steven Spielberg, escrito por Robert Rodat e com Tom Hanks e Matt Damon nos principais papéis. Após do desembarque, o General George Marshall, no Departamento de Guerra dos Estados Unidos, em Washington, é informado de que três dos quatro filhos da família Ryan foram mortos em ação e que a mãe desses soldados deverá receber três telegramas informando-a da morte dos filhos. O general é informado, ainda, de que o quarto filho está desaparecido em algum lugar da Normandia. Para não impor um peso ainda maior à mãe da família Ryan, Marshall ordena que Ryan seja encontrado e enviado de volta à sua casa. Três dias após o Dia D, o Capitão Miller recebe a ordem de resgatar o soldado Ryan. Organiza uma equipe de resgate formada por sete soldados e parte para realizar a sua missão. Durante essa operação de resgate do soldado Ryan, o destacamento, aos poucos, vai sendo morto em ação. Já, ao final do filme, já havendo encontrado o último filho da família Ryan, o capitão é ferido mortalmente. Antes de morrer, o capitão Miller, tendo o soldado Ryan em pé à sua frente, diz a este: “Faça por merecer!”. A cena volta aos tempos atuais e a face do jovem Ryan se transfigura no idoso veterano que apareceu no início do filme, revelando ser Ryan, e o túmulo à sua frente é o do Capitão Miller. Ryan pergunta a sua esposa se ele era digno sacrifício daqueles homens, que morreram para que ele pudesse sobreviver, e ela responde que sim, que ele é. Ryan saúda o túmulo de Miller e o filme termina. Eu assisti a este filme quando de seu lançamento nos cinemas do Brasil e o que mais me marcou na época foi a intensidade de seus primeiros 27 minutos, com uma descrição violenta e angustiante do desembarque na Normandia, mais precisamente na Paria de Omaha, naquele Dia D. Entretanto, no início deste ano de 2022, talvez motivado pela terrível experiência pela qual passei no ano passado, vitimado pela Covid-19, que quase me levou à morte, recordei a cena final do filme, enquanto eu preparava uma formação para os catequistas da paróquia onde tenho servido desde 2020. Consegui, através do YouTube, baixar a cena final do filme. Exibindo o vídeo aos poucos catequistas que se fizeram presente, primeiramente resumi em palavras a história do filme e, em seguida, eles assistiram àquela cena final. Centrei, então, aquela formação na frase do Capitão Miller, instantes antes de sua morte: “Faça por merecer!”. Acredito que todos nós, cristãos, sabemos que Jesus Cristo deu a Sua vida para nos salvar. Mas o quanto isso toca a nossa existência e nos transforma em verdadeiros cristãos? Sinto que a maioria esmagadora dos cristãos vive a sua vida como se nunca tivesse sido batizada, como se nunca houvesse sido inserida no Corpo Místico de Cristo pelo Batismo, vivendo literalmente como pagã. A ideia do sacrifício de Jesus por nós, a doação de Sua vida para nos salvar, parece ser tão genérica, tão distante de nossa realidade pessoal concreta, que não transforma a vida de cada um e menos ainda da sociedade. Quando passei a ter um contato mais íntimo com as Sagradas Escrituras, diversas passagens da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento, chamaram-me a atenção. Algumas positivamente, outras não. Confesso que, durante muito tempo, não gostava das cartas de São Paulo, julgando-o um moralista e prepotente. Um dos textos de Paulo que me incomodou muito, na época do estudo das cartas paulinas durante minha formação no Seminário, estava na carta aos Colossenses: "O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a igreja” (Cl 1, 24b). Creio ser correto dizer que fiquei indignado com essa frase de Paulo. Absurdo! Que arrogância! Que prepotência! O sacrifício de Jesus por nós foi completo e perfeito! Nada faltou! E Paulo diz que completa o que faltou... O que faltou? Nada faltou! Ao longo da minha vida ministerial ordenada, fui aprendendo a reconhecer em Paulo um homem, embora de personalidade fortíssima, com muita sabedoria. Verdadeiras pérolas dessa sabedoria cristã fui descobrindo à medida em que meditava as palavras que ele deixou como testemunho de vida e de fé. Que me vem à mente, a primeira luz que os textos paulinos me proporcionaram deu-se durante o retiro preparatório à minha ordenação presbiteral, em janeiro de 2003, realizado no eremitério em que vivia o bispo emérito da Diocese de Itaguaí (RJ), na cidade de Lídice. Foi ele, Dom Frei Vital João Geraldo Wilderink, carmelita, quem pregou o retiro. Ainda guardo na memória a imagem e a sabedoria desse verdadeiramente homem de Deus, que soube preparar-me espiritualmente para a ordenação. Nas anotações referentes a este retiro, escrevi: “A principal lição apreendida neste retiro foi a compreensão das palavras de Paulo: ‘quando sou fraco, aí é que sou forte’ (Segunda Carta aos Coríntios 12, 10). Quando somos ‘fortes’ em nós, ou seja, vivemos segundo a nossa vontade e os projetos pessoais, impedimos que Deus aja em nós. No entanto, quando nos reconhecemos fracos, frágeis e pecadores, e também que só com a graça de Deus podemos nos transformar, a nossa ‘fraqueza’ torna-se força, pois abrimos caminho para o Senhor agir em nossa vida”. Voltando à carta aos Colossenses: "O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a igreja” (Cl 1, 24b), aos poucos fui descobrindo o seu sentido e a sabedoria de Paulo nessas palavras. De fato, da parte de Cristo, nada faltou em seu sacrifício pela salvação da humanidade. No entanto, falta a “minha” parte! Jesus morreu também por mim e eu preciso ter essa consciência. Olhando para o Cristo crucificado, tenho de reconhecer o seu sacrifício feito por todos e por mim também. Assim como no filme mencionado acima, eu devo me questionar: a vida que eu levo demonstra que eu estou fazendo valer em minha existência o sacrifício de Cristo por mim? Deixo-me levar mais pelos valores do mundo, baseados no egocentrismo e individualismo, ou procuro viver os valores celestes, baseados acima de tudo no amor, e na obediência à Palavra de Deus, na partilha, no perdão, na unidade e na busca do bem comum? Vivo como batizado, integrado ao Corpo Místico de Cristo, que é a igreja, a assembleia dos justos, ou como se nunca tivesse recebido o batismo? É justamente esta consciência que devemos ter frente ao sacrifício que Jesus fez também por mim. Será que a opção de vida que tenho, ante a liberdade que o próprio Criador me deu, torna o sacrifício de Cristo por mim sem efeito? Deus foi quem tomou a iniciativa de salvar o ser humano caído pela desobediência à sua vontade (cf. Gênesis 3, 1-24). A cada um de nós cabe a nossa parte: viver de tal forma em meio a este mundo, que o sacrifício de Jesus Cristo por mim tenha valido à pena. Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos 29 de setembro de 2022 Festa dos Santos Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael

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