UMA REFLEXÃO SOBRE O MILAGRE

UMA REFLEXÃO SOBRE O MILAGRE A cerca de dois anos, passei por uma das mais difíceis e importantes experiência das mais de seis décadas de minha vida: fui contaminado pela Covid-19, tendo permanecido quatro meses hospitalizado, mais dois meses em recuperação na casa paroquial da Catedral de Nova Iguaçu, aos cuidados do Pe. Paulo Machado, e ainda hoje carregando em meu corpo e em minha alma as sequelas da enfermidade (... eu trago em meu corpo as marcas de Jesus Cristo - Gálatas 6,17). Foram quarenta dias em coma, atormentado por pesadelos angustiantes, porém, após o início da minha recuperação, abri-me à misericórdia para com os pecadores, entre os quais me incluo. Totalmente desenganado pelos médicos, “esperando contra toda esperança” (Romanos 4, 18), no dia 13 de maio de 2021, milagrosamente meu corpo começou a reagir. A desesperança em relação à minha recuperação, a partir dos boletins médicos, fizeram com que o meu sepultamento começasse a ser planejado: seria eu sepultado entre meus familiares ou em Nova Iguaçu, junto aos meus irmãos de ministério? A data “13 de maio” é, para mim, muito significativa. A primeira imagem e título de Nossa Senhora da qual me lembro é justamente de Nossa Senhora de Fátima, por ocasião da peregrinação de sua imagem, que visitou a minha casa. Tudo o que tratava de Nossa Senhora de Fátima, eu procurava ler. Na minha primeira viagem à Europa, fui ao seu Santuário em Portugal. E quando ingressei no Seminário Paulo VI, da Diocese de Nova Iguaçu, antes fui a Fátima para consagrar minha vida, vocação e futuro ministério a Nossa Senhora de Fátima. Consciente disso, quando sou o dia em que meu corpo começou a reagir após quarenta dias em coma, fiquei profundamente emocionado. Preciso informar que, desde muito jovem, eu me sentia profundamente amado por Deus, sentia-me como uma pessoa especial, de quem Ele cuidava com redobrado zelo, mais do que a todos os outros seres humanos. Após a entrada no seminário, aos quarenta anos de idade, com o passar do tempo, com estudos e reflexões, esse amor especial de Deus por mim foi arrefecendo. Não porque Deus deixara de me amar, mas porque Ele ama a todos e a cada um como uma pessoa especial e única. Passei por muitas vicissitudes na vida e no ministério presbiteral. Aos poucos fui descobrindo que Deus não é um “deus intervencionista”, que nos livra de todas as dificuldades inerentes à vida e impostas quando o sistema em que vivemos é profundamente injusto e mundano. Fui aprendendo aos poucos, após tantos sofrimentos, que Deus não nos livra das dores, perseguições e injustiças (se assim fosse, nada de mal teria acontecido a Jesus Cristo, Seu Filho). Mais que milagres (eu acredito em milagres), devemos buscar a PAZ que vem de Deus, aquela paz que nos permite viver com esperança, mesmo contra toda a desesperança que existe no mundo. É a paz de Deus que devemos buscar, pois com ela em nossos corações conseguiremos passar com serenidade por todas as provações e tribulações da vida. Deus me ama, mas não mais (e nem menos) que a qualquer outro de seus filhos aqui na terra. Sobre milagres, recordo-me quando fui fazer meu estágio pastoral, ainda como seminarista na Catedral de Nova Iguaçu, certa tarde de sábado, em que eu estava dando uma formação para os catequizandos da Crisma, ao falar em milagres, a catequista principal interrompeu-me e disse: “Mas Nelson, milagres não existem”. Lembro-me de ter ficado chocado com aquela afirmação e eu lhe disse: “Como milagres não existem?”. Ela então disse-me que um Diácono Permanente, que dera uma formação ao mesmo grupo, afirmara que milagres não existem e que os milagres de Jesus de fato não haviam acontecido, mas eram, sim, uma imagem para mostrar que reviver alguns mortos significa que temos de levar uma nova vida após conhecer Jesus, que curar um cego significa que devemos ter um novo olhar sobre o mundo, que curar um mudo era para anunciarmos os Evangelho... e assim tantas intepretações que acabam com o sentido do sagrado em nossas vidas. Eu respondi que “lamento profundamente que um Diácono tivesse aquele pensamento e que se ele tinha essa idéia é porque não estava no meio do povo, pois quem está constantemente vê verdadeiros milagres. E então, no dia 13 de junho de 2001, na Catedral de Nova Iguaçu, que tem como padroeiro principal Santo Antônio, uma senhora, após a missa diocesana presidida pelo bispo, veio em minha direção e perguntou-me: “Você pode me ouvir?”. Eu estava usando túnica e pensei que ela poderia estar me confundindo com um padre e lhe respondi: “Mas eu não sou padre”. E ela perguntou-me mais uma vez: “mas você pode me ouvir?” Na breve conversa que tivemos, ela contou-me que sete anos antes ele tivera câncer, fizera todo o tratamento e ficara curada. Agora, descobrira que o câncer havia voltado e ela estava com metástase por todo o corpo. Lembro-me de sua imagem à minha frente e um tumor no lado esquerdo de sua testa, parecendo uma imensa espinha. Ela continuou a falar, dizendo que não aguentaria passar por tudo aquilo de novo, o mal-estar que sentira, a perda co cabelo e outras consequências. Perguntei-lhe se tinha fé e ela afirmou que sim. Pedi que me esperasse, subi até meu quarto, peguei uma pílula do Frei Galvão, um copinho plástico para café, enchi-o de água e voltei para a igreja. Estava lotadíssima, como acontece todos os anos no dia de Santo Antônio, com missas desde as seis horas da manhã até as vinte e três horas. Conseguimos abrir espaço entre as pessoas e fomos ajoelhar ante o Santíssimo. Fiz uma oração com ela e lhe dei a pílula. Foi este o meu primeiro contato com essa senhora, de inúmeros que tivemos desde então. Nos meses seguintes, conforme ela me contou, foi internada três vezes para exames, pois os médicos afirmavam que era impossível ela estar curada, pois estava com metástase por todo o corpo. Por que essa senhora foi agraciada com um verdadeiro milagre e tantas outras pessoas que amamos e por quem pedimos não o são? Os anos de vida e experiências foram me dando a resposta. Foi na catedral de Nova Iguaçu que uma formação anti-evangélica foi apresentada, o que mexeu com os crismandos e com os seus catequistas. Naquele momento, o elo de ligação entre o grupo de crismandos e a assembleia era eu. Assim, quando aquela senhora dirigiu-se a mim, Deus usou este contexto para mostrar ao grupo que o milagre de fato existe, embora seja algo extraordinário e não o comum no nosso dia a dia. O milagre ocorrido não foi por mérito daquela senhora e meu. Foi gratuidade de Deus, que nos mandou essa grande mensagem. Ainda na Catedral, após esse milagre, uma crismando me procurou dizendo que o seu tio, já idoso, estava com câncer e desenganado. Ela falou-me “Eu confio tanto na pílula do Frei Galvão. Será que você não pode levar para o meu tio?”. Combinamos de ir ao Inca da Praça da Cruz Vermelha. Peguei a Kombi da Catedral e levei comigo um pequeno grupo para fazermos uma oração em torno ao leito do enfermo e dar-lhe a pílula. No entanto, ao chegarmos à recepção do hospital, fomo informados de que o enfermo estava no CTI e que não seria possível fazer-lhe uma visita. Foi permitido que apenas eu subisse e que só poderia permanecer lá por cinco minutos. Subi, foi-me indicado quem era o paciente, pois eu não o conhecia, e ao chegar em seu leito, ele estava com os olhos fechados e entubado. Toquei-lhe o braço e ele abriu os olhos. Apresentei-me como sendo o seminarista Nelson amigo de sua sobrinha e disse-lhe: “Hoje eu vim trazer a graça de Deus para o senhor!”. Como ele estava entubado, peguei a pílula e coloquei em sua boca pelo canto. Tenho ainda muito bem na lembrança que uma lágrima escorreu pela sua face. Fiz uma oração e sai. O prognóstico é de que ele viveria apenas alguns dias. No entanto, no dia seguinte ele se levantou. Deus lhe concedera um milagre. Por que a ele? Para fortalecer naquele grupo de Crisma da Catedral a ação de Deus em nossas vidas. Vinte anos depois, quando essa querida amiga foi passar uma noite me acompanhando no quarto do hospital (como dezenas de outras pessoas também o fizeram, dia e noite), ouvi dela que eu começara a melhorar exatamente no dia 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima. Eu chorei tanto e tão alto, que uma enfermeira ouvira de sua sala e foi ver se eu precisava de algo. Sem olhar em sua direção, só consegui levantar a mão e dizer: “Emoção!” Eu disse a essa amiga que, já que tinha recebido um milagre pelas mãos de Nossa Senhora de Fátima, a quem sou consagrado, eu precisava ser um padre melhor. Ao ouvir isso, ela disse-me: “Melhor? Mas você é um excelente padre!” E eu lhe respondi: “Não só Deus e eu sabemos o que sou”. Ela começou então a dizer-me o que eu havia feito pela sua família. as graças que alcançaram. Citou diversos familiares a quem eu havia ajudado, mas não me lembrei de nada, apenas de seu tio. Foi quando soube mais detalhes, inclusive que morreu vários anos mais tarde após o milagre recebido. Mérito dele ou meu? Não! Gratuidade e amor de Deus. Por fim, o milagre que eu recebi. Não entrarei em detalhes, pois tudo o que passei é de conhecimento público. Eu sinto que perdi algo, enquanto eu estava em coma. Eu sabia que ia morrer e, em certo sonho, eu fui ao cemitério das Irmãs Clarissas, no Mosteiro de Santa Clara, em Nova Iguaçu, pedir à Irmã Verônica, a primeira clarissa a ser sepultada ali, que intercedesse a Deus para que eu pudesse morrer. O que eu sinto ter perdido foi a vida. No entanto, eu estou vivo! Por que eu? Quantas pessoas morreram com a Covid, sequer passando por tudo o que eu passei! Pessoas jovens saudáveis, com uma vida toda à frente. Deus sabe como eu daria a vida com alegria para que muitas dessas pessoas que eu conheci não tivesse morrido! Dois sacerdotes da Diocese de Duque de Caxias, que foram meus formandos, com a mesma idade, da mesma turma, faleceram no memso ano com a Covid. Um em janeiro e outro em maio, quando eu ainda estava no CTI. Mas Deus é que foi servido! O sentido de minha revificação só fui compreendendo aos poucos. Como a minha enfermidade levou tantas pessoas a orarem! Foram milhares de pessoas, conhecidas, desconhecidas, católicas, evangélicas e de outras religiões a intercederem por mim! Inúmeras pessoas acorreram aos bancos de sangue para o doarem para mim! Segundo me informaram, foram necessários três dias, em três pontos de coleta de sangue, para atender a todos. Disseram-me que os bancos de sangue ficaram bem abastecidos. Com os acompanhantes, percebi o imenso amor que tantas pessoas me dedicam, mas também como se abriram ao amor de Deus por nós. Não foram apenas os amigos que se revezavam dia e noite ao meu lado nos dois meses em que fiquei no quarto, após dois meses no CTI, mas houve até desconhecidos. Recordo-me que, em um dos primeiros dias, entrou uma senhora em meu quarto para passar a noite. Ela me disse que eu não a conhecia e nem ela a mim, mas fizera questão de vir, pois queria testemunhar um milagre. E foi justamente isso que muitas pessoas testemunharam. Quando eu fui para a Catedral, muitas pessoas amigas foram me visitar, o que preocupava o Pe. Paulo e também D. Gilson, além de outras pessoas próximas. Diziam-me que eu não deveria receber visitas, pois eu ainda estava muito frágil e vulnerável, e deveria, nesse momento, pensar apenas em mim. Eu só respondia que isso era impossível, pois, sendo padre, a minha vida era para o outro e não para mim. Quantas pessoas chorando vinham me ver e experimentar o amor e a misericórdia de Deus. Se fosse para pensar em mim e na minha recuperação, não havia sentido em ter sobrevivido. Por ser padre, conheço muitas pessoas. Muitas pessoas fazem uma experiência com Deus através do meu ministério. Creio ser por isso que recebi a graça da cura, este milagre. Até hoje, dois anos após a Covid, encontro pessoas que emocionadas me dizem que oraram muito por mim e agradecem a Deus pelo dom de minha vida. Levando as pessoas a se voltarem mais para Deus, a minha enfermidade teve um sentido e o milagre é um sinal de que Deus existe e olha por cada um de nós. Mas a vida não apresenta os verdadeiros milagres em seu cotidiano, mas quando acontece, são sinais de Deus. Só precisamos ter olhos e corações atentos para perceber esses sinais. Deus não nos livra das dificuldades e sofrimentos, mas tendo-O no coração, sempre encontraremos a paz, que nos permite caminhar rumo ao céu, construindo aqui o reino de Deus. Eu ainda sofro muito com as sequelas, mas louvo a Deus por ser sinal de Seu amor pela humanidade inteira. Sim, mais do que nunca, a minha vida tem sentido, não unicamente para mim, mas para o próximo, pois ajuda as pessoas a voltarem-se para Deus!

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