Hoje, enquanto
rezava o Terço da Misericórdia pelo fim da pandemia que assola a humanidade,
lembrei-me do falecido Pe. Jairo e sua história ensinou-me que a graça de Deus
nem sempre corresponde ao que pedimos ou esperamos.
Lembro-me da primeira vez em que
o vi, chegando ao Seminário Paulo VI, da Diocese de Nova Iguaçu, para iniciar o
curso de Filosofia. Eu estava no curso de Teologia, morando em um edifício ao
lado do da Filosofia. Vendo-o chegar, não tive uma boa impressão dele,
achando-o um tanto delicado em seus gestos. Enquanto estive como seminarista,
nunca cheguei a ser seu amigo.
Já ordenado, fui servir na
Paróquia Nossa Senhora Aparecida, no Jardim Gláucia, em Belford Roxo, onde
iniciei oficialmente a minha missão no dia 15 de fevereiro de 2003. Não muito
tempo depois, o Reitor do Seminário pediu-me que o acolhesse nos finais de
semana, para o estágio pastoral. Não gostei, mas acatei o pedido do Reitor, que
me disse: “É a última oportunidade dele. Se não der certo aqui, será dispensado
do Seminário”. Não lhe perguntei o que o seminarista fizera para chegar a este
ponto, pois a minha antipatia já respondera a esta pergunta não feita.
Foram dois anos tendo-o nos
finais de semana na paróquia e, ao final, aprendi a respeitá-lo, amá-lo e ser
seu amigo. Sinto que houve reciprocidade, apesar de sermos muito diferentes.
Se não me engano, foi em janeiro
de 2006 que acompanhei uma missão com quatro seminaristas à Diocese-irmã de
Afogados da Ingazeira, no sertão de Pernambuco, três da Diocese de Nova Iguaçu
e um da Diocese de Duque de Caxias, a qual igualmente tinha aquela Diocese como
irmã. Eu, então, estava de volta ao Seminário Paulo VI como Diretor da Comunidade
de Filosofia. Ficamos hospedados na casa de uma família na cidade de Mirandiba.
Terminada a missão, tive uma outra imagem do Jairo, esta negativa, que
mostrou-se muito insatisfeito com a missão, sempre de mal humor e sem fazer
qualquer esforço para integra-se com os outros seminaristas. Porém, eu o
conhecia em seu trabalho pastoral na nossa Diocese.
Ao final daquele mesmo ano, os seminaristas que foram à missão,
passaram pelo escrutínio para suas ordenações. No Conselho Presbiteral, aprovei
os três de nossa Diocese e, em relação ao Jairo, afirmei que ele seria um
excelente padre, porém teria dificuldades para estar em comunhão com o clero
local. Terminado o escrutínio, no qual todos foram aprovados, procurei o Jairo
e lhe disse, antes que alguém deturpasse as minhas palavras, o que eu havia
afirmado na reunião, dizendo-lhe, ainda, que ele sabia que o que eu afirmara
sobre ele era verdade.
Pelo seu comportamento futuro em relação a mim, senti que o que eu
dissera não afetou a nossa amizade.
Poucos anos depois de ordenado, o Pe. Jairo foi trabalhar na Paróquia
Santa Rita de Cássia, em Cruzeiro do Sul, Nova Iguaçu. Ainda no seu primeiro
ano como padre naquela paróquia, no Segundo Domingo da Páscoa, ele foi
encontrado na casa paroquial deitado na cama e sem consciência. Ficou internado
muitas semanas, inconsciente. Os paroquianos do Jardim Gláucia, que tinham um
grande amor por ele, rezaram muito pela sua recuperação. Eu, nessa época, era
pároco em Tinguá ou no Parque Flora. Também rezava muito por ele, nas orações
pessoais e nas missas.
A situação de saúde do Pe. Jairo não melhorava, ele continuava
inconsciente e eu nunca soube o que de fato o acometeu. Recordando alguns
pensamentos dele, lembrei-me que ele não era muito simpático à Renovação
Carismática Católica e não aprovava a Festa da Misericórdia, que deveria ser
feita no Segundo Domingo da Páscoa. Alguém de sua paróquia havia me dito que
ele não deixou que a Festa da Misericórdia fosse realizada naquele ano. Foi
então que eu pensei que ele seria curado a partir do Terço da Misericórdia a
ser rezado aos pés de seu leito no hospital. Tive certeza em meu coração que
ele receberia a graça da cura e se tornaria um grande propagador tanto da Festa
quanto do Terço da Misericórdia. Consegui o número de telefone da mãe do Pe.
Jairo e lhe telefonei. Identifiquei-me, pois eu não a conhecia pessoalmente, e
pedi a ela que rezasse junto ao seu leito no hospital o Terço da Misericórdia.
No final de semana seguinte a esta conversa, não me recordo qual
seminarista, a quem eu havia confiado a minha certeza de que o Pe. Jairo
ficaria curado para testemunhar a força dessa oração, perguntou-me se eu havia
conseguido falar com a mãe dele e eu disse que sim. Ele me disse que tinha
certeza disso, pois o Pe. Jairo havia saído do coma, embora estivesse muito
fragilizado. Que imensa alegria foi ouvir essa boa-nova!
Mais semanas se passaram e a situação do Pe. Jairo não melhorava. Fui
um dia, junto com D. Luciano, visitá-lo no Hospital São Francisco na
Providência Divina. Sua aparência deixou-me muito chocado. Ele, ao ver-me,
tentou esboçar um sorriso, mas era mais uma careta de sofrimento, que com
dificuldade ele queria demonstrar a alegria em me ver. Foi a última vez que o
vi.
Poucos dias depois, o Pe. Jairo faleceu. Confesso que me decepcionei
com Deus naquele momento, pois eu tinha a certeza de sua recuperação para ser
um apóstolo da Misericórdia Divina. No seu velório, na Matriz da Paróquia de
Santa Rita, dirigi-me à sua mãe para apresentar os meus sinceros sentimentos
pela morte do filho e lhe disse que eu esperava que ele se recuperasse. E veio
dela, a mãe, com o coração dilacerado pela perda do filho, que me veio a razão
de eu estar escrevendo hoje, após tantos anos, este texto. A mãe do Pe. Jairo
disse-me que Deus havia sido muito bom para com o filho, permitindo que, após
tantas semanas em coma, ele recuperasse a razão para poder se despedir da
família e dos amigos.
Foi então que compreendi que Deus concedera ao Pe. Jairo uma imensa
graça, não com eu havia esperado, mas como a mãe dele a havia acolhido.
Pe.
Nelson Ricardo Cândido dos Santos
22 de
março de 2020
Quarto
Domingo da Quaresma
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