SOBRE A OBEDIÊNCIA A DEUS

No primeiro livro da Bíblia, Gênesis, encontramos Deus como Criador de todo o Universo e que cria o homem (Gn 2,7) e a mulher (Gn 2, 21-23) e os colocou no Jardim do Éden, primeiramente Adão, a quem disse: “Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas do fruto da árvore da ciência do bem e do mal; porque no dia em que dele comeres, morrerás indubitavelmente” (Gn 2, 16-17). Após a criação da mulher, Eva, ambos vivem no paraíso na relação de um para com o outro e com Deus, uma relação de amor, na qual cada um tem o olhar voltado para o próximo. No capítulo 3 do mesmo livro do Gênesis, lê-se que a serpente, imagem de Satanás, astuto e enganador, aproxima-se maliciosamente da mulher e lhe faz uma pergunta forjada na mentira: “É verdade que Deus vos proibiu comer do fruto de toda árvore do jardim?” (Gn 3,1b). Eva responde que Deus lhes permitiu comer de todas os furtos de todas as árvores, menos da que estava no meio do jardim, para não morrermos. O enganador mente mais uma vez, dizendo à mulher que aquilo não era verdade, que ela e Adão não morreriam, e que Deus sabia que, no dia em que comessem o fruto daquela árvore, seus olhos se abririam e ambos seriam como deuses, conhecendo o bem e o mal (cf. Gn 3, 4-5). Cobiçando o belo fruto que lhe abriria a inteligência, a mulher comeu dele e também o deu ao marido (cf. Gn 3, 6). Imediatamente seus olhos se abriram e perceberam que estavam nus (Gn 3, 7). E esconderam-se de Deus. Esta é uma esplêndida imagem do individualismo, do egoísmo, que é o primeiro fruto ou consequência do pecado original. Enquanto cada um olhava para o outro (imagem do amor), não se reconheciam nus. A partir do pecado original, ou seja, da desobediência a Deus, o egocentrismo entra na Criação. O Outro absoluto (Deus) e o outro humano eram o centro da vida do ser humano. Com o egocentrismo, o “eu” passa a ser o centro da vida humana. E daí advém todos os demais pecados. A desobediência a Deus fez com que Adão e Eva perdessem o paraíso (Gn 3, 11-24) e tornassem-se mortais (Gn 3,19) Ainda no mesmo capítulo 3 do Livro do Gênesis, Deus procura por Adão e não o encontra; e, chamando-lhe, pergunta: “Onde estás?” (Gn 3, 9). Sabemos que Deus é onisciente e onipresente, portanto, sabe onde está Adão. Portanto, esta pergunta não espacial, mas existencial: Onde você se colocou? Ainda hoje, Deus pergunta a cada um de nós: Onde você está? Por que coloca-se longe de minha presença? E ao longo de toda a história humana, desde os primórdios bíblicos até os nossos dias atuais, nem sempre aprendemos as lições que a vida nos dá, mas a desobediência à palavra de Deus traz consequências pessoais e coletivas. Enganados que somos por acreditar sermos conhecedores do bem e do mal, as consequências dos nossos erros queremos atribuir ao próprio Deus e ao próximo, não a cada um. E não faltam nas Sagradas Escrituras exemplos de como alcançamos as mais variadas graças quando obedecemos ao senhor Deus e não a nós mesmos ou ao mundo. No capítulo 12 do Livro do Gênesis, encontramos a figura de Abrão, cujo nome significa “pai de um clã). Ele é um homem velho, cuja esposa, igualmente idosa, é estéril. A única graça que permanece na vida de Abrão é a terra de seus antepassados. Deus o chama e ordena-lhe que deixe sua única segurança e parta para onde Ele indicar. Contra toda humana esperança, Abrão obedece. Tem seu nome mudado para Abraão, que significa, pai de uma multidão. Assim, no novo nome que Deus dá a ele, está o cumprimento da Sua promessa, que fará com que Sara dê um filho ao seu velho marido e desse filho sairá uma multidão incontável como as estrelas do céu, inumerável como as areias da praia. O cumprimento da promessa de Deus não é fácil e nem ocorre em curto espaço de tempo. Ao contrário, leva muitos anos, nos quais Abraão vai sendo provado por Deus. A última grande provação acontece quando o Senhor pede a Abraão que sacrifique a Ele o seu filho Isaac, em quem está depositada a esperança na promessa de Deus (Gn 22). Como imensa dor, Abraão obedece e, no momento em que ia sacrificar seu filho, um anjo aparece e lhe impede de completar o ato. Abraão provou que o seu projeto pessoal não estava acima dos projetos de Deus. E sua obediência permite que a promessa e a graça de Deus aconteçam em sua vida. No capítulo do Primeiro Livro dos Reis, encontramos a história do profeta Elias e da viúva de Sarepta. Em ambas as vidas, a obediência ao Senhor lhes conquista a graça. Elias foge dos que o querem matar e, indicado por Deus, vai para a corrente de Carit. Os corvos levam, todas as manhãs, pão e carne para Elias alimentar-se e à tarde ele bebe a água da torrente. Após algum tempo, por falta de chuva, a torrente seca. O providente Deus ordena a Elias que se dirija a uma cidade chamada Sarepta de Sidon e ali permaneça na casa de uma viúva, que o sustentará. Lá chegando, encontra a viúva, pobre, quase miserável, recolhendo lenha á porta da cidade. Elias lhe pede que lhe traga água para beber, pedindo-lhe, ainda, um pedaço de pão. Ela, então, angustiada, diz ao profeta que não tem pão assado, apenas um punhado de farinha na panela e um pouco de óleo na ânfora, e que a lenha era para preparar dois pães para seu filho e para si, para comerem e depois aguardar a morte. Confiando na palavra de Deus, Elias diz à viúva que confie e faça como ele estava dizendo. Quem não atenta para a palavra, que diz que foi o próprio Deus quem determinou a Elias que seria sustentado pela viúva, pode pensar que Elias está sendo muito egoísta. Mas ele está é seguindo a orientação de Deus. A mulher fez como Elias lhe disse. Durante todo o tempo em que durou a seca, Elias, a viúva e seu filho tiveram o que comer, pois que a farinha e o azeite não se esgotaram. Ao que obedece à partilha querida por Deus, nunca faltará o que lhe é necessário para viver com dignidade. Encontramos, no Segundo Livro dos Reis, a história de Eliseu e de Naamã, o general sírio, que era leproso. Ele vai à procura de Eliseu, o profeta, que vivia na Samaria, pois disseram-lhe que se fosse a ele, ficaria curado. Naamã foi até Eliseu e, chegando à casa deste, mas Eliseu não o recebeu, mandando dizer ao general que mergulhasse sete vezes nas águas do rio Jordão e, assim, sua pele ficaria purificada. O profeta não agiu conforme esperava Naamã, deixando o leproso indignado e encolerizado, pois sequer havia sido recebido pessoalmente. Resolve voltar à Síria, no entanto, seus servos lhe disseram que se o profeta tivesse ordenado a ele algo muito difícil de realizar, ele o realizaria. O que lhe custava, pois, fazer o que Eliseu lhe pedira? Naamã desceu ao Jordão e banhou-se sete vezes e a sua carne tornou-se limpa e macia como a pele de um bebê. Deus nos pede ações simples e muitas vezes não lhe damos ouvido e, assim, por descrença ou desobediência, não recebemos a Sua graça. Avançando para o Novo testamento, encontramos diversos textos que nos apresentam a obediência como condição para a vontade de Deus se realizar em nossas vidas. No Evangelho de Lucas, logo no primeiro capítulo, encontramos a jovem Maria de Nazaré, que é visitada pelo anjo Gabriel, que lhe apresenta o projeto de Deus de conceber em seu ventre o Messias prometido através dos profetas, o salvador da humanidade, Jesus. Embora sua mente não alcançasse como isso se daria, Maria diz seu “sim” e, com sua obediência, nosso senhor Jesus Cristo pode encarnar e nos salvar Lucas 1, 26-38). Ainda no Evangelho de Lucas, encontramos Jesus no Templo, em Jerusalém, quando, aos 12 anos, perde-se de seus pais (Lucas 2, 41-52). Nessa situação angustiante para Maria e José, após o reencontro com o filho, o Menino volta para casa com seus pais e o Evangelho nos conta que Ele lhes era obediente (Lc 2, 51). Obedecendo seus pais na terra, Jesus vai aprendendo a obedecer a Seu Pai celeste, pois vai crescendo “em estatura, em sabedoria e graça, diante de Deus e dos homens” Lc 2,52). A obediência de Jesus aparece em um dos mais importantes textos cristológicos, fora dos Evangelhos: a Carta de São Paulo aos Filipenses (Fl 2, 6-11). Este texto narra a kénosis de Jesus encarnado, ou seja, o seu esvaziamento de sua divindade enquanto vivia entre nós. Diz o texto: “sendo ele (Jesus) de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem, humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso, Deus o exaltou soberanamente e lhe outorgou o nome que que está acima de todos os nomes, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho no céu, na terra e nos infernos. E toda língua confesse, para a glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor”. Jesus, na véspera de Sua paixão, enquanto estava orando no Getsêmani, o Horto das Oliveiras, sentiu-se em profunda agonia e sua alma estava triste de morte (Mateus 26, 38; Marcos 22, 34; Lucas 22, 44) e clamou ao Pai dizendo “Meu Pai, se não é possível que este cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua vontade” (Mateus 26,42; Marcos 14, 36; Lucas 22, 42). E, no alto da cruz foi tentado para salvar a própria vida, mas venceu as tentações, obedecendo a Deus, levando às últimas consequências a Sua missão. O povo que passava e via Jesus na cruz dizia que, se Ele era de fato o Filho de Deus, descesse da cruz e salvasse a si mesmo (cf. Mateus 27, 40; Marcos 15, 29-30; ); os príncipes dos sacerdotes, os escribas e anciãos zombavam de Jesus dizendo que descesse da cruz e salvasse a si mesmo (cf. Mateus 27, 41-42; Marcos 15, 31-32; Lucas 23, 35b) e também os que estavam crucificados com Ele o ultrajavam (cf. Mateus 27, 44; Marcos 15, 32b; Lucas 23, 39); os soldados igualmente zombavam de Jesus para que descesse da cruz (Lucas 23, 36-37). A consequência da obediência de Jesus ao Pai encontramos na carta de São Paulo aos Hebreus: “Nos dias de sua vida mortal, [Jesus] dirigiu preces e súplicas entre clamores e lágrimas àquele que o podia salvar da morte, e foi atendido pela sua piedade. Embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve. E uma vez chegado ao seu termo, tornou-se autor da salvação eterna para todos os que lhe obedecessem, porque Deus o proclamou sacerdote segundo a ordem de Melquisedec” (Hebreus 5, 7-10). Foi a obediência de Jesus ao Pai mesmo em meio aos sofrimentos que nos conquistou a salvação eterna. Cabe agora a cada um de nós, como Paulo bem expressou, “completar em minha carne o que falta às tribulações de Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja” (cf. Colossenses 1, 24b). Da parte de Deus e do Seu Cristo, nada faltou. E da minha parte? Sabemos que Jesus morreu para salvar a toda a humanidade. Porém, não só morreu por todos, mas por cada um de nós em particular. A vida que eu levo faz valer o sacrifício que Jesus fez para salvar também a mim? Sou obediente a Deus, trilhando a senda da salvação através do amor, da caridade? Ou desobedeço a Ele, deixando-me levar pelo espírito do mundo, egoísta e individualista, que me faz perder o paraíso? No livro dos Atos dos Apóstolos, obra do evangelista Lucas, encontramos alguns retratos das primeiras comunidades cristãs que, independentemente dos sistemas políticos, sociais e econômicos, experimentaram um novo modo de vida. A primeira menção é bastante breve e vivenciada ainda no Cenáculo: “Todos eles perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, entre elas maria, mãe de Jesus e os irmãos dele” (Atos 1,14). Lemos no segundo relato de uma comunidade cristã que seus membros “perseveravam na doutrina dos apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do pão e nas orações (...) Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um. Unidos de coração, frequentavam todos os dias o Templo. Partiam o pão nas casas e tomavam a comida com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus e cativando a simpatia do povo. E o Senhor cada dia lhes ajuntava outros, que estavam a caminho da salvação” (Atos dos Apóstolos 2, 42.44-47). No terceiro retrato das primeiras comunidades cristãs, também no livro dos Atos dos Apóstolos, vemos que “a multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era em comum. Com grande coragem os apóstolos davam testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus. Em todos eles era grande a graça. Nem havia entre eles nenhum necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas e traziam o preço do que tinham vendido e depositavam-no aos pés dos apóstolos. Repartia-se então a cada um deles conforme a sua necessidade” (Atos 4,32-35). Mais do que uma simples doutrina, ser cristão significa um novo modo de vida, em que o bem comum, a fraternidade, o amor ocupa o lugar do egoísmo, da posse, da inimizade. No capítulo 5 de Atos dos Apóstolos, no versículo 20, após um anjo do Senhor abrir as portas da prisão em que se encontram os apóstolos, o mensageiro de Deus lhes diz: “Ide, apresentai-vos no templo e pregai ao povo as palavras desta vida”. A grande maioria das traduções bíblicas aparece esta expressão, “as palavras desta vida”. No Lecionário da Igreja católica, lemos: “Ide falar ao povo, no Templo, sobre tudo o que se refere a este modo de viver. Eles obedeceram e, ao amanhecer, entraram no Templo e começaram a ensinar”. Na tradução chamada “Bíblia do Peregrino”, assim está escrito: “Ide, e de pé no templo, explicai ao povo a doutrina deste modo de vida”. Mais do que rubricas e normas, o verdadeiro cristianismo é um modo de vida, por isso pode atravessar os milênios, independente do contexto social, político e econômico. Quando o contexto deturpa esse modo de vida, o Espírito Santo sempre vem em nosso socorro, remetendo-nos às origens de nossa fé. Nos diversos relatos da multiplicação do pão ou dos peixes, é a partilha que permite que todos tenham o suficiente e ainda sobre, como concretamente experienciaram as primeiras comunidades descritas nos Atos dos Apóstolos (cf. Marcos 6, 30-44; Mateus 14,13-21; Lucas 9, 10-17; João 6, 11-14). Ante a multidão faminta, os discípulos pediram a Jesus que a mandasse embora, pois o lugar era deserto e não havia como alimentar tanta gente. Jesus responde: “Dai-lhes vós de comer” (Marcos 6, 37b). Com a impossibilidade de comprarem tanta comida, Jesus pergunta aos discípulos quantos pães há. Eles respondem que há apenas cinco pães e dois peixes. O Mestre ordena que mandem sentar-se todos em grupos sobre a relva. Jesus dá graças a Deus por aqueles alimentos, os parte e entrega aos discípulos, que os distribui entre a multidão. E todos comeram até ficarem satisfeitos e ainda sobra em abundância. Os outros dois evangelhos sinóticos narram o mesmo. No evangelho de João, há uma pequena diferença: André, irmão de Simão Pedro, diz a Jesus: “Está aqui um menino que tem cinco pães de cevada e dois peixes; porém, o que é isso para tanta gente?” (João 6, 9). Há um grande ensinamento nestas passagens da multiplicação dos pães e dos peixes: somente Deus realiza os milagres, mas nós podemos ser aquele que partilha o pouco que tem para que haja abundância para todos. Sempre que reflito sobre esta multiplicação que Jesus realiza a partir de tão pouco ofertado, recordo-me do último Natal que passei em São Paulo, antes de ingressar no Seminário, em 1998. Havia, na Paróquia São José Operário, no bairro do campo Limpo, em São Paulo, uma pequena senhora de cabelos brancos, dona jaci, idosa com mais de 90 anos, e que todos os anos organizava uma festa de Natal para as crianças pobres da região. Naquele ano, eu a acompanhei à uma comunidade muito carente, onde uma outra senhora abria-lhe a garagem da casa para ela fazer o cadastramento das famílias com filhos menores de 12 anos. Ela entregava a cada mãe uma senha. E escrevia em um caderno o nome da mãe, a quantidade de filhos e filhas por idade e tamanho de roupas e calçados. Isso se deu no mês de agosto. A partir desse levantamento, começou o trabalho de arrecadar as doações. Ela não aceitava nada usado. Tudo tinha de ser novo. Roupas, calçados, brinquedos, adequados a cada criança em particular. Arrecadava também doces e biscoitos. Como eu tinha carro, fui buscar as doações que ela nos mais variados lugares. Voltava com meu pequenino carro Gurgel BR 800 lotado de doações. Em dezembro, a dona Jaci juntou-se a uma jovem senhora, Mara, e a mim para organizarmos as doações. Fizemos pacote por pacote destinado a cada criança, com as roupas, calçados, brinquedos e doces. Depois, separamos estas sacolas por família, segundo a senha que a dona Jaci havia entregue às mães. Foi um trabalho homérico, uma vez que havia cerca de 300 crianças inscritas. Mas, com a graça de Deus, nós três demos conta de tanto trabalho. No dia marcado para a festa de entrega dos presentes de Natal, se não me engano, um sábado, além dessa festa, havia um batizado coletivo de cerca de 200 crianças. Entre elas, havia o Hugo, um menino que eu conhecia desde o seu nascimento e que teria meu irmão Celso e sua esposa Celina como padrinhos. Tanto a igreja quanto o salão estavam lotados de gente. Além das crianças, havia pais, padrinhos, avós, irmãos mais velhos e outras pessoas. Antes do batismo, lembro-me da minha cunhada ir ao salão para eu mostrar o que estava preparado para as crianças carentes. No palco, havia as sacolas numeradas para entrega às famílias. À frente do palco, no piso do salão, colocamos uma pequena mesa de fórmica, muito comum nas casas da década de 1960. Sobre a mesa, havia dois pratos com biscoitos e balas, alguns refrigerantes, e, sobre um balcão de alvenaria, duas caixas com pães, que o padeiro havia doado. Ela perguntou-me sobre aquela mesa com tão pouca coisa e eu lhe disse que era a mesa da festa. Admirada, a Celina disse-me: “Mas isso não vai dar para tanta gente!” Eu a tranquilizei, dizendo que aquilo era apenas uma pequena decoração festiva e que as sacolas sobre o palco era o que mais importava. Acabando o que havia sobre a mesa, acabaria a festa. Após os batizados, que ajudei o Padre Francisco Carlos Consorte a celebrar, fomos para o salão. E, sobre o palco, comecei a chamar as mães pelo número de senha, que recebiam as sacolas de seus filhos pelas mãos da dona Jaci e da Mara. Lembro-me que eu estava imensamente feliz, como talvez nunca me sentira antes. Algumas pessoas da igreja chegaram a me dizer que eu transparecia uma grande felicidade, com um sorriso escancarado no rosto, que não se fechava. Após o término da distribuição dos presentes de Natal, anunciei que as pessoas podiam se aproximar da mesa e comer o que lá havia. Foi neste momento que o milagre aconteceu! Uma das primeiras pessoas a testemunhar o milagre foi a minha cunhada. Ela me disse: “Eu não acredito no que estou vendo!” O que ela e eu estávamos vendo? Havia uma multidão debruçando-se sobre a mesa, braços estendidos sobre a mesa, enchendo as mãos com balas e biscoitos. E por mais que pegassem, não acabavam. Havia ainda pessoas enchendo sacolas plásticas de mercado com os pães das duas caixas, que igualmente não acabavam. Ninguém me contou isso! Eu testemunhei! E me vejo emocionado e arrepiado cada vez que recordo ou narro essa história! Tenho certeza de que foi o amor com que tudo aquilo foi realizado que permitiu aquele milagre acontecesse em nossa paróquia naquele final de milênio. E, encerrando esta reflexão, não podemos deixar de mencionar o primeiro sinal de Jesus, segundo o Evangelho de João: a transformação da água em vinho nas Bodas de Caná da Galiléia (João 2, 1-11). Tanto a dizer a partir deste texto, mas vamos nos focar na questão da obediência. Durante um casamento, ao qual estavam presentes Jesus, seus discípulos e Maria, sua mãe, o vinho veio a faltar. Antes de qualquer outra pessoa, é Maria quem percebe o que está acontecendo e pede ajuda ao filho, pois se o vinho acabasse antes do final da festa, o momento da entrega da noiva ao noivo poderia ficar comprometido. Maria diz aos que estavam servindo: “Fazei o que ele vos disser” (João 2, 5). Jesus, então, ordenou-lhes que enchessem com água as seis talhas de pedra usadas para a purificação das mãos dos judeus. Segundo algumas traduções, cabiam 100 litros de água em cada uma. Os servos obedeceram. Em seguida, Jesus ordenou-lhe que tirassem a água e levassem ao chefe dos serventes. Quando este provou a água, ela havia se transformado em vinho, e vinho da melhor qualidade. Não podemos acrescentar a essa narrativa bíblica joanina nenhuma palavra que não esteja neste Evangelho. O texto não diz que Jesus tenha se aproximado das talhas, que tenha tocado na água, que tenha soprado sobre a água, que tenha feito uma oração sobre a água. Não há a descrição de nenhum sinal que possamos chamar de sacramental. Só podemos ver o que o texto nos narra. Jesus deu duas ordens, que foram obedecidas pelos servos. E foi a obediência a estas ordens que permitiu que o milagre acontecesse. Se confiarmos nas palavras de Jesus, se obedecermos às suas ordens e mandamentos, seremos capazes de transformar a face da terra. Na transfiguração de Jesus (Mateus 17, 1-9; Marcos 9, 2-13; Lucas 9, 28-36), ouvimos Deus Pai dizer: “Eis o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha atenção; ouvi-O". Acima da Lei do Antigo e dos Profetas, é a Jesus que temos de ouvir e obedecer. E Maria, a Mãe de Jesus, nas bodas de Caná, exortou aos servos: “Fazei o que Ele vos disser”. Somente a obediência a Jesus nos conduzirá de volta ao paraíso e transformará a face da terra! A decisão é tua! Pe. Nelson Ricardo Cândido dos Santos 16 de setembro de 2022

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