APARIÇÕES DE MARIA E O FIM DO MUNDO



O mês de maio é, tradicionalmente, o mês dedicado a Maria, a Mãe de Jesus. Também em maio comemora-se as aparições de Nossa Senhora em Fátima, Portugal, em 1917. Como ainda está muito viva em nossa memória a passagem do século XX para o XXI e ainda se fala muito em aparições e em suas mensagens anunciando um possível fim do mundo, julgamos apropriado tratar rapidamente do assunto expresso no título deste artigo. Embora não se possa aprofundar o assunto, devido à limitação de espaço deste boletim, acreditamos que este texto ajudará a iniciar uma reflexão madura deste tema.
Nas mais variadas aparições de Maria no mundo, principalmente as do último século, existe sempre, nas mensagens dadas, um alerta à humanidade a respeito de um próximo castigo de Deus para a humanidade e sobre o fim do mundo. Se o cristianismo prega um Deus absolutamente misericordioso, porque essa reincidência de avisos vindos de toda parte do mundo?
Em preparação ao Terceiro Milênio, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – lançou um livreto intitulado “Com Maria, rumo ao novo milênio – a mãe de Jesus na devoção, na Bíblia e nos dogmas”, no qual, ao final, procura responder algumas questões sobre as Aparições de Nossa Senhora. Uma das respostas que procura dar é justamente a esta questão: “Por que muitos videntes insistem sobre o fim do mundo e o castigo de Deus sobre a humanidade?”
A resposta apresentada é a seguinte:

“Esse é um exemplo típico de como se misturam, na experiência do vidente, as coisas de Deus com as coisas humanas. No passado, muitos santos e videntes já erraram quando fizeram previsão do fim do mundo e da segunda vinda de Jesus (parusia). Sempre que há uma grande crise nas civilizações, como está acontecendo hoje, alguns prevêem a destruição como única forma de limpar tudo e começar direito outra vez. Na verdade, nós não sabemos sobre o fim do mundo (Mt 24,36). O futuro do mundo está nas mãos de Deus e depende também da humanidade. De qualquer forma, a verdadeira conversão não nasce do medo de ser destruído, mas da certeza de que Deus é bom, de que ele tem pena de nós e nos chama para uma vida plena (Jo 10,10)”[1]

Embora esta resposta da CNBB apresente aspectos que merecem uma reflexão posterior mais profunda (quanto, por exemplo, à mistura das coisas de Deus com as humanas; as previsões que nunca se cumpriram; a relação crise/destruição...), ela não responde a algo que é imprescindível para a compreensão da questão: por que associa-se Maria ao que costumamos chamar de “apocalipse”, de fim de mundo? Por que a figura maternal de Nossa Senhora está sempre ligada, nas aparições, a avisos de destruição?
Essa associação de Maria com apocalipse deve-se ao capítulo 12 do livro do Apocalipse, no qual aparece uma Mulher (que representa a Igreja, mas também, tradicionalmente, Maria) “1bvestida com o sol, tendo a lua sob os pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas; 2estava grávida e gritava, entre as dores de parto, atormentada para dar à luz”, e também um dragão que quer devorar-lhe o filho logo que este nasça e, não o conseguindo, “17enfurecido por causa da Mulher, o dragão foi então guerrear contra o resto dos seus descendentes, os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o Testemunho de Jesus”. Esta cena descrita em Ap 12 possui uma referência a Gn 3,15-16.
Estabelecida a origem da associação de Maria com um apocalipse, a partir do livro do Apocalipse, coloca-se uma questão mais profunda: o livro do Apocalipse e também os demais textos apocalípticos presentes tanto no Antigo quanto no Novo Testamento apresentam sempre uma visão negativa, relacionada a desastre, a destruição, a fim do mundo?
Este sentido negativo de apocalipse foi crescendo em meio ao povo, ao longo da história do cristianismo, a ponto de fazer parte do inconsciente coletivo do cristão, assim como sua associação a Nossa Senhora, a partir de Ap 12. Por fazer parte do inconsciente coletivo, é comum um vidente, nas aparições marianas, misturar, conforme nos esclareceu o texto da CNBB, “as coisas de Deus com as coisas humanas”, ou seja, misturar a recordação da única revelação de Deus em Jesus Cristo com o imaginário apocalíptico cristão.
Entretanto, a literatura apocalíptica não pretendeu jamais trazer em si a idéia de destruição total, mas, sim, de destruição do mal para preservar o bem, de transformação, de algo novo a vir, ou seja, teve sempre a intenção de trazer esperança a quem estava numa situação negativa. Traz esperança, pois lança uma luz no caminho do desesperançado, do oprimido, do marginalizado. Quando a Igreja primitiva deixou de ser perseguida e de viver na clandestinidade, a literatura apocalíptica foi perdendo seu sentido original de mensagem de esperança, uma vez que o cristão, agora, vivia um novo momento de liberdade e de expansão de sua religião. Aos poucos, foi-se dando ao apocalipse o sentido negativo que chegou até nós e se faz presente no inconsciente coletivo cristão, ocasionando a mistura do que vem de Deus nas aparições de Nossa Senhora com o que é humano. Sabendo disso, devemos procurar sempre nas mensagens marianas o amor e a misericórdia de Deus Pai, o Abba de Jesus Cristo, que quer sempre nos salvar e não nos destruir.
Que essa compreensão nos ajude em nosso contínuo processo de conversão a fim de que esta seja verdadeira e não nasça, segundo o citado texto da CNBB, “do medo de ser destruído, mas da certeza de que Deus é bom, de que ele tem pena de nós e nos chama para uma vida plena”.

maio-junho de 2002

[1] CNBB. Com Maria, rumo ao novo milênio. São Paulo: Paulus, 19973. p. 87.

Nenhum comentário: