AS DIMENSÕES DE NOSSA FÉ EM JESUS CRISTO


No Evangelho do 21.o Domingo do Tempo Comum deste ano, Jesus pergunta a seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?” (Mt 16,15b). Esta mesma pergunta de Cristo continua a ecoar séculos depois e hoje é dirigida a cada um de nós, batizados e, portanto, seguidores de Jesus.
A nossa vivência de fé pode, muitas vezes, levar-nos a uma compreensão equivocada ou empobrecida de Jesus. Temos a tendência de nos lembrar apenas do Cristo Ressuscitado, valorizar apenas esta dimensão de Jesus e esquecer das outras duas, sem as quais Jesus não é o Filho de Deus encarnado, mas um messias moldado segundo os valores humanos. Dessa forma estaremos repetindo o equívoco de Pedro, que, após responder à indagação “E vós, quem dizeis que eu sou?” com uma belíssima profissão de fé — “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (Mt 16,16b) —, repreende o Senhor ao ouvir Dele o que lhe iria acontecer quando fosse cumprir sua missão em Jerusalém. A esta repreensão, Jesus diz a Pedro: “Vai para longe, Satanás. Tu és para mim pedra de tropeço, porque não pensas as coisas de Deus, mas sim as coisas dos homens” (Mt 16,23b — 22.o Domingo do Tempo Comum — Ano A).
Nunca podemos esquecer que Jesus encarnou, fez-se ser humano como todos nós, vivendo numa época determinada, num local determinado, numa cultura determinada, com todas as conseqüências que podem advir dessa situação. Assim, também nós devemos viver a nossa fé encarnada em nosso meio social, nesta época específica e nesta cultura que nos foi passada. Assim como Jesus não aceitou as injustiças e os erros de seu meio, tempo e cultura, devemos lutar pela construção de um mundo melhor. Mas da mesma forma que Jesus extraiu tudo o que era bom de sua cultura, assim também devemos fazer, se quisermos ser verdadeiramente evangelizadores. Jamais viveremos plenamente a nossa fé e nem seremos evangelizadores eficientes, se não dialogarmos com o mundo que temos à nossa volta e dentro de nós. Viver uma fé apenas transcendente, alheia aos problemas do mundo, desencarnada da realidade que nos circunda é ser infiel ao seguimento de Cristo.
Além da dimensão humana, encarnada de Jesus, não podemos esquecer a dimensão da cruz, entendida esta não como dor, mas como fidelidade ao projeto de Deus, como resistência ao mundo injusto e discriminatório. Porque Jesus encarnou, foi humano como nós e compadeceu-se da humanidade oprimida por quem deveria ser irmão, Ele foi crucificado. Assim também nós, se quisermos ser verdadeiramente seguidores de Cristo, devemos levar nosso compromisso de batizados até o fim, mesmo que isso represente sofrimento. Viver o egoísmo, o individualismo, o comodismo, a alienação em relação ao mundo e ao próximo é perder-se na caminhada cristã, por tentar salvar a própria vida. E Jesus foi bem claro em seu ensinamento: “Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; e quem perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la”. (Mt 16,25).
Por fim, a dimensão do Cristo Ressuscitado em nossa fé não pode se limitar a orações e adorações que nos dão, individualmente, tranqüilidade e conforto. Não podemos viver uma relação individualista com Deus, esquecendo-nos do mundo e do próximo. A ressurreição de Cristo representa a vitória do projeto de Deus sobre o sistema desumano que matou Jesus. A nossa fé no Ressuscitado deve-nos ajudar a concretizar essa vitória do Reino sobre o mundo. Devemos pois, segundo as palavras de Paulo, completar o que faltou ao sacrifício de Cristo, ou seja, cumprir a nossa parte, aquela missão que recebemos no Batismo de construir um mundo mais fraterno, justo e solidário.
Após esta breve reflexão, volta-nos a pergunta inicial de Jesus a nós, seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Esperamos que todo aquele que nos ler reveja sua compreensão de quem é Jesus e sua relação com Ele, assumindo plenamente o seu compromisso de cristão, encarnado no mundo, resistindo ao que ele tem de mal e lutando para transformá-lo num mundo melhor para todos.

julho-agosto de 2002

Nenhum comentário: