Normalmente, os nossos artigos tratam de temas e personagens do Novo Testamento ou da história da Igreja. Mas não podemos esquecer que “Deus, inspirador e autor dos livros dos dois Testamentos, dispôs sabiamente que o Novo Testamento estivesse escondido no Antigo, e o Antigo se tornasse claro no Novo” (Constituição Dogmática Dei Verbum, n 16). Paulo, a respeito dos escritos do Antigo Testamento, orienta-nos que “tudo o que se escreveu no passado é para nosso ensinamento que foi escrito, a fim de que, pela perseverança e pela consolação que nos proporcionam as Escrituras, tenhamos a esperança” (Rm 15,4).
Esta reflexão é pertinente neste dia em que se faz memória de uma das mais importantes personagens do Antigo Testamento: o profeta Elias.
Elias atuou na época do rei Acab (século IX a.C.) e passou à história como profeta exemplar, a ponto de, na Transfiguração do Senhor, aparecer ao lado de Jesus, junto com Moisés, representando toda a Profecia (cf. Mt 17, 1-8; Mc 9,1-8; Lc 9,28-36).
A época em que viveu Elias era de crise, com a seca assolando o país e a fome atingindo principalmente os pobres. Diante dessa situação, o profeta prega a partilha e faz a opção preferencial pelas viúvas e pelos órfãos, que dependiam do próximo para sobreviverem (Cf. 1Rs 17,1-24). O rei Acab foi alvo de suas censuras, pois estava mais preocupado com seus cavalos e burros do que com a fome do povo; também censurou os 450 profetas do deus Baal, que comiam à mesa do rei, enquanto o povo passava fome (cf. 1Rs 19,5-19).
As palavras mais duras do profeta Elias foram, no entanto, dirigidas à rainha Jezabel, que foi quem trouxera de Tiro tanto o deus Baal como seus profetas, confundindo o povo em sua fidelidade à Aliança com Javé.
Perseguido, Elias entrou em crise e pensou em abandonar sua missão, mas, retornando à fonte do Êxodo, fez 40 dias de caminhada pelo deserto até o monte Horeb, recuperando, assim, a sua coragem no mesmo local em que, no passado, Moisés encontrara Deus (cf. 1Rs 19, 1-18). Elias retorna à luta profética por um novo governo do país e para ungir outro profeta, Eliseu, que vai continuar sua ação junto ao povo simples e prosseguir aos ataques à classe exploradora.
Os exegetas (profundos estudiosos da Bíblia) reconhecem em Elias um homem de palavra tão incendiária, que não poderia morrer como qualquer outro ser humano, daí seus discípulos conservarem a sua memória como alguém arrebatado ao céu pelo Senhor num carro de fogo com cavalos também de fogo, em meio a um turbilhão (cf. 2Rs 1-14).
Lembrar dos profetas hoje, particularmente de Elias, cuja memória celebramos no dia 20 de julho, é assumir o compromisso cristão de lutar por um mundo mais justo, no qual a partilha seja um valor a ser vivido todos os dias; de defender a causa do pobre e de todo aquele que é oprimido e discriminado. Fazer memória do profeta Elias, neste ano de eleições, é escolher o nosso candidato à luz da Sagrada Escritura, discernindo candidatos com história de luta pelo bem comum e não com discursos hipócritas, que não correspondem à sua vivência egoísta.
Num país como o Brasil, em que a reforma agrária é uma necessidade social e um preceito evangélico, a memória de Elias nos impulsiona a seguir o seu exemplo na defesa dos direitos do pequeno proprietário de terra. Elias agiu em defesa do camponês Nabot, assassinado a fim de que o rei, por capricho e cobiça e não por necessidade, tomasse posse do terreno que, segundo a tradição de Israel, era uma sagrada herança assegurada pelos antepassados.
Vivendo num mundo extremamente individualista e egocêntrico, somos chamados a assumir o nosso papel profético no mundo, pois esse papel visa sempre o bem da comunidade e não o apenas o próprio bem. Esquecer a nossa missão profética acarreta enormes prejuízos não só para a Igreja, mas para toda a sociedade. Que a Palavra de Deus nos envolva tão intensamente, como acontecia com os profetas do Antigo Testamento, levando-nos a atuar, de maneira entusiasmada e apaixonada, em todos os setores da sociedade, de forma a construirmos o Reino de Deus entre nós.
20/07/2002
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