“Não há motivo para existir concorrência entre a razão e a fé: uma implica a outra, e cada qual tem seu espaço próprio de realização. O livro dos Provérbios aponta nesta direção: ‘A glória de Deus é encobrir as coisas e a glória dos reis é investigá-las’ (Pr 25,2). Deus e o homem estão colocados, em seu respectivo mundo, numa relação única. Em Deus reside a origem de tudo, n’Ele se encerra a plenitude do mistério, e isso constitui a sua glória; ao homem, pelo contrário, compete o dever de investigar a verdade com a razão, e nisso está a sua nobreza” (João Paulo II: Carta Encíclica Fides et Ratio, 17).
As palavras acima, escritas pelo Papa em 1998, podemos dizer que nos exortam a aprofundar o nosso conhecimento a respeito das coisas criadas por Deus, “a origem de tudo”, reconhecendo que, mesmo não as compreendendo, todas as coisas criadas por Ele são boas (cf. Gn 1).
Ao longo dos séculos, a Igreja condenou conhecimentos emergentes por acreditar que, em relação à mentalidade de cada época, estes contrariavam os desígnios divinos. Com o passar do tempo, muitos desses conhecimentos condenados foram aceitos pela Igreja e empregados positivamente na Teologia, visando sempre a dignidade do ser humano e a glorificação de Deus. Hoje, parece incrível que a Igreja tenha condenado Galileu e Giordano Bruno, o heliocentrismo, a teoria da evolução das espécies e tantas ciências humanas que se desenvolveram sobretudo a partir do século XIX, como a Psicologia e a Antropologia, dentre tantas outras coisas.
O que levou a Igreja a uma mudança de posição não foi, com certeza, um laxismo, mas a compreensão, a partir de uma profunda reflexão teológica, de que a ciência não é inimiga ou contrária à fé. Ao contrário, como bem expressou o Papa João Paulo II na Fides et Ratio, “a FË e a RAZÃO constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio”.
O novo e o desconhecido continuam a causar-nos medo, ou ao menos estranhamento, apesar de tantas conquistas tecnológicas que a razão humana, dada-nos por Deus, alcançou.
Nas últimas décadas, vem crescendo a compreensão do ser humano integral, relacionado em todas as suas dimensões com Deus, com a humanidade toda, consigo próprio e com o cosmo. Novas ciências e novos conhecimentos vão-se desenvolvendo, mas nem sempre são apreendidos adequadamente pela maioria das pessoas. O medo do novo e do desconhecido, o pouco ou nenhum conhecimento racional (científico) das conquistas da razão humana, muitas vezes fazem com que condenemos aquilo que é bom ou pode vir a sê-lo para o ser humano, classificando-o em categorias de “pecado”, como a Igreja fez por séculos e pelo qual, principalmente por ocasião do Grande Jubileu da Encarnação de Jesus, o Papa, em nome da Igreja, pediu perdão pelos erros ou pelos excessos cometidos no passado.
Vemos, por exemplo, tantas terapias alternativas desenvolvidas a partir da natureza criada por Deus (“E Deus viu que tudo era bom”), como a cromoterapia, a fitoterapia, a massoterapia e a radiestesia, ou vindas de outras culturas, como a meditação oriental, a acupuntura, o reiki, os mantras, o do-in, serem condenadas por nós sem a preocupação de se “investigar a verdade com a razão”, considerando-os simplesmente como “diabólicas” ou magias, portanto, contrárias ao primeiro mandamento da Lei de Deus dada a Moisés.
Cabe, pois, aqui, aprendermos o que nos ensina o Catecismo da Igreja Católica a respeito de magia e porque ela é contrária ao mandamento que nos diz: “Não terás outros deuses diante de mim”.
“Todas as práticas de magia ou de feitiçaria com as quais a pessoa pretende domesticar os poderes ocultos, para colocá-los a seu serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo — mesmo que seja para proporcionar a este a saúde —, são gravemente contrárias à virtude da religião. Essas práticas são ainda mais condenáveis quando acompanhadas de uma intenção de prejudicar a outrem, ou quando recorrem ou não à intervenção dos demônios” (CIC 2117).
Observe-se que o texto condena: “domesticar poderes ocultos” e não adquirir novos conhecimentos; “colocá-los a seu serviço e obter poder sobre o próximo”; “intenção de prejudicar a outrem”. Portanto, tudo o que é anti-evangélico e, assim sendo, contrário às coisas divinas.
Acima foram dados apenas alguns exemplos do que pode ser. Erroneamente, classificado como “magia”. Como distinguir se determinada prática é ou não contrária à Lei de Deus? Com certeza, um dos critérios é-nos dado pela Carta Encíclica de João Paulo II: “investigar a verdade com a razão”, ou seja, procurar a base científica para sua compreensão. Uma frase de Santo Agostinho também pode ser uma luz em nosso discernimento: analisar a intenção, lembrando que, para aquele que ama, tudo é permitido - “Ama e fazes tudo o que queres” -, pois “dessa raiz, não pode sair nada que não seja bom”.
Não seria nunca a nossa intenção levar as pessoas a um laxismo em relação à nossa fé, mas apenas ajudar no discernimento em relação a um tema que é tão atual e que, mal interpretado, fecha as portas de benefícios e graças que Deus nos dá através de sua pródiga e admirável criação.
novembro de 2001
Nenhum comentário:
Postar um comentário