Em grande parte do mundo, principalmente na América Latina e nos países do chamado Terceiro Mundo, a morte, a cruz, o sofrimento e a tristeza marcam a vivência cristã. No entanto, apesar de tantos fatores históricos que geraram essa mística da dor, o cristão tem uma razão para se alegrar e festejar: Cristo ressuscitou!
Este fato é tão importante, único e revolucionário, que deveria ser festejado todos os dias de nossas vidas. Porém, para o ser humano, para que haja festa, deve haver um tempo diferente e especial, caso contrário a festa perde a graça.
O mistério da Ressurreição de Jesus é tão grande que são necessários muitos dias para festejá-lo. Daí o Tempo Pascal estender-se por cinqüenta dias. Infelizmente, nós cristãos e nossas comunidades não descobrimos ainda como manter a festa por todo o Tempo Pascal.
Como impregnar de Páscoa todo o Tempo Pascal? Mais ainda: como impregnar de Páscoa todo o ano e toda a nossa vida e vivermos uma permanente festa pela Ressurreição do Senhor?
Na liturgia, um elemento que visibiliza a pascalidade de uma celebração é o seu estilo afetuoso e comunitário. Quando as pessoas se cumprimentam de modo espontâneo e comunicativo, todos sentem o gosto da festa pascal e que a assembléia litúrgica representa, de fato, o Corpo de Cristo ressuscitado. Assim, é necessário dar esse estilo afetuoso a todas as celebrações, mesmo nos dias comuns e com quem se celebra diariamente. Como exemplo prático, se revalorizamos a oração da paz e tornamos mais verdadeiro e profundo o abraço da paz, este será um bom jeito de pascalizarmos a celebração.
Numa celebração, há tarefas e serviços litúrgicos diferentes e complementares, mas todos integram-se numa comunidade de iguais. Quanto mais uma celebração mostra essa igualdade entre todos os participantes, mais testemunha a Ressurreição de Jesus. Na prática, isso é possível, por exemplo, através de uma linguagem mais inclusiva, que evite qualquer tipo de discriminação racial, social ou sexual.
Uma celebração manifesta a sua pascalidade quando sublinha que o Evangelho é boa nova e não lei. Quando uma celebração parece mais movida pela lei do que pela graça, não manifesta o seu caráter pascal. A leveza do rito faz com que os participantes estejam ali reunidos pelo amor e em liberdade, não de forma constrangedora.
Se mantivermos durante todo o ano, e não só no Tempo Pascal, alguns dos costumes e símbolos da Páscoa, estenderemos a pascalidade para além de uns poucos dias, não repetindo os ritos próprios da festa anual, mas retomando o seu espírito e alguns de seus elementos:
― vigílias: nas noites de sábado ou de festa, as comunidades podem se reunir para louvar a Deus e preparar-se melhor para a celebração dominical. O centro desse culto é a proclamação de um dos evangelhos da ressurreição de Jesus;
― rito eucarístico: lembrar que toda celebração eucarística é memorial da Páscoa, embora a forma de vivenciar esta pascalidade possa ser mais festiva (nos domingos) ou mais cotidiana (nos dias da semana);
― comensalidade: num mundo que não reparte nada, devemos acentuar o sentido do amor-ágape fraterno, ligado ou não à Eucaristia. Quando a comunidade partilha algum tipo de alimento (pipoca, milho, pão...), todos sentem um gosto mais sensível da Páscoa. No entanto, esta partilha jamais deve substituir a Eucaristia;
― símbolo da luz: pode-se convidar o povo a cantar no escuro, acendendo velas ou isqueiros para significar pequenas chamas de esperança em meio às trevas do mundo. Realizar mais freqüentemente a bênção da luz pode simbolizar nossa busca pela justiça;
― símbolo da água: o rito de aspersão ou o toque na água recordam o batismo e são uma renovação da Páscoa, podendo estar ligado ao Credo e à renovação do compromisso de fé;
― palavras que acompanham os gestos e os símbolos: a linguagem de nossas orações e os cânticos devem expressar a alegria da exultação pascal e a liberdade que dela resulta.
Embora estas sugestões sejam práticas, a liturgia só se tornará pascal se vivermos e nos alimentarmos de uma profunda mística centrada na Páscoa, a qual nos leve a nos mover e encantar pela boa nova da ressurreição.
maio de 2001
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