Muitos de nossos irmãos vêm à Igreja solicitar para si ou para um ente querido a Unção dos Enfermos. Pelo que pudemos observar, em grande parte dos casos, acredita-se numa ação quase mágica desse Sacramento. A fim de esclarecer o seu sentido, apresentamos a seguir o resumo do capítulo III do documento 14 da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o qual trata, justamente, desse assunto.
Numa visão bíblica, o ser humano é apresentado como uma unidade viva. A doença, porém, leva o doente a experimentar seu corpo como um “outro” dentro de si mesmo, independente das suas ações e vontades, rompendo a unidade pessoal, subjetiva.
O ser humano é, também, um ser social. A doença, muitas vezes, força o ser humano à inatividade, afastando-o de seus compromissos e entregue aos cuidados dos outros, encerrado num quarto ou preso a um leito, o que faz com que o doente experimente a solidão e a dependência, e tenha, ainda, a consciência da incapacidade de os outros compreenderem sua situação real, suas angústias e incertezas íntimas.
Afastado de suas atividades e de seus compromissos sociais e familiares, o doente tem a oportunidade de redimensionar a si mesmo e a seu projeto pessoal em relação ao mundo e à história, o que faz com que a finitude seja vivida radical e intensamente. A recuperação da saúde pode, então, assumir o aspecto de uma “ressurreição”, na qual a pessoa olhará o mundo com outros olhos e outra escala de valores norteará a sua vida.
Deus não criou o ser humano para a morte, mas destinou-o à vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10). Chamado a preservar a vida e a saúde, a doença mostra-se à pessoa humana como algo que contradiz, diminui, obstaculiza ou paralisa o querer viver. Para obedecer a Deus, o homem deve querer fazer todo o necessário e possível para assegurar a continuidade da própria vida psíquica e física, lutando contra tudo o que pode paralisá-la..
O “Rito da Unção dos Enfermos e sua Assistência” afirma que “a doença, ainda que intimamente ligada à condição do homem pecador, quase nunca poderá ser considerada como um castigo que lhe seja infligido por seus próprios pecados (cf. Jo 9,3). Não só o próprio Cristo, que é sem pecado, cumprindo o que estava escrito no profeta Isaías, suportou as chagas de sua paixão e participou das dores de todos os homens (cf. Is 53,4-5), como continua ainda a padecer e a sofrer em seus membros, mais configurados a ele quando atingidos por provações que, no entanto, parecem efêmeras e mesmo leves, comparadas ao quinhão de glória eterna que para nós preparam (cf. 2Cor 4,17)”. O Rito conclui, a seguir: “Por disposição da divina providência, o homem deve lutar ardentemente contra toda doença e procurar com empenho o tesouro da saúde, para que possa desempenhar o seu papel na sociedade e na Igreja, contanto que esteja sempre preparado para completar o que falta ao sofrimento de Cristo pela salvação do mundo, esperando a libertação da criatura na glória dos filhos de Deus (cf. Rm 8,19-21; Cl 1,24)”.
Mesmo tendo um sentido, a doença continua sendo um mal que deverá ser eliminada no final dos tempos, quando a cura se tornar sinal da salvação perfeita e completa. Sendo um mal, todo fatalismo que leva ao descuido da saúde sob a alegação de que a doença é vontade de Deus é contrário ao mandamento divino, além de prejudicar a recuperação daquelas forças perdidas pela doença e não pelo desgaste do passar do tempo, uma vez que não possuímos o dom da imortalidade. Todos os seres humanos morrerão um dia, seja como conseqüência de enfermidade e de ferimentos, ou da simples velhice, mas este morrer é passagem para mais vida e condição para a futura ressurreição, numa caminhada pascal do homem em seguimento a Cristo. Assim, se apesar de todo o nosso esforço em evitá-las e combatê-las as doenças perdurarem, devemos aceitá-las e assumi-las à luz da fé e da esperança escatológica, que nos abrem horizontes inacessíveis à razão e às demais forças humanas. Na saúde e na doença, o cristão deve ter consciência de que a vontade de Deus é sempre o bem do homem, às vezes obscuro, mas sempre real.
A atividade terapêutica de Jesus de Jesus tem um profundo valor salvífico. Mais que gestos do poder sobrenatural que residia nele para acreditá-lo como Messias, as curas são o sinal de que o Reino de Deus, a salvação escatológica irrompeu no mundo. A doença ainda não desaparecerá do mundo; mas a força divina que finalmente a debelará já está presente e atuante no mundo.
Para a Igreja, a doença não diminui a dignidade da pessoa humana, criada à imagem de Deus (Gn 1,26) e chamada à comunhão de vida com este mesmo Deus e com os irmãos em Cristo. Os doentes são sinais e imagens do Cristo Jesus, pois servir aos doentes é servir ao próprio Jesus em seus membros sofredores; também são úteis ao mundo e à comunidade eclesial, sendo seu papel na Igreja, pelo seu testemunho, não só levar os outros homens a não esquecerem as realidades essenciais e mais altas, como mostrar que nossa vida mortal deve ser redimida pelo mistério da morte e ressurreição de Cristo.
O cristão doente, já inserido em Cristo pelo batismo, insere-se, agora, nesta condição peculiar de doente, no mistério da morte e ressurreição do Senhor.
Os Evangelhos atestam amplamente quanto o próprio Senhor se empenhou em cuidar corporal e espiritualmente dos enfermos, ordenando aos fiéis que fizessem o mesmo. Os doze apóstolos ungiam muitos enfermos com óleo e os curavam (cf. Mc 6,13): a Igreja vê sugerida aqui a instituição do sacramento da Unção dos Enfermos por Jesus Cristo. Justifica-se a necessidade desse sacramento, porque aquele que adoece gravemente precisa de uma graça especial de Deus, a fim de que, premido pela ansiedade, não desanime, e, submetido à tentação, não venha a perder a própria fé.
O ser humano é um todo, uma unidade viva, em que os aspectos anatômico, fisiológico, psíquico e espiritual estão profundamente unidos e em profunda interdependência. A enfermidade atinge o homem todo, corpo e espírito, desequilibrando-o e debilitando-o, não só biologicamente, mas também espiritualmente. A Unção dos Enfermos faz com que a força salvadora de Cristo atinja a pessoa enferma em sua totalidade, para viver, na fé e no amor, a comunhão consigo mesma, com os outros e com Deus. A cura corporal, quando se realiza, é símbolo da libertação da condição de pecador, remetendo à libertação integral do homem e do cosmos, no Reino plenamente realizado, no mundo escatológico.
O sacramento da Unção dos Enfermos pode proporcionar, em caso de necessidade, o perdão dos pecados e a consumação da penitência cristã somente quando o doente estiver impossibilitado de recorrer ao sacramento específico para o perdão dos pecados, que é o Sacramento da Penitência.
O sacramento não é um rito mágico com o qual se manipula o sagrado, mas um encontro do homem com Deus em Cristo e na Igreja, que postula uma resposta pessoal, consciente e livre do homem, a resposta da fé. O sacramento da Unção dos Enfermos é uma afirmação testemunhal de que Deus intervém salvificamente no mundo em favor do ser humano, sua criatura, o qual não está abandonado às suas próprias forças, mas envolvido por sua bondade e por seu poder que, sem substituí-lo, ou diminuí-lo, vem em seu socorro para potenciá-lo e salvá-lo. A Unção dos Enfermos é, também, o sacramento da esperança cristã, esperança esta que não se refere apenas à eternidade, mas também ao futuro da vida terrena. A situação existencial do enfermo, ameaçada pela doença, ajuda a revelar o sentido pleno do existir humano, que transcende a vida presente (cf. 1Cor 15,19).
Um dos componentes da doença é afastar o ser humano do convívio social e dificultar sua participação na vida eclesial, particularmente no culto comunitário. A Igreja, então, vem tirar o irmão enfermo desse isolamento, indo até ele levando-lhe os socorros da caridade, da oração, da Palavra de Deus e dos sacramentos. O sacramento da Unção, além de revelar ao doente que o isolamento não rompe sua pertença à Igreja, manifesta a comunhão que existe entre a comunidade eclesial e seu membro enfermo. É o sacramento da solidariedade, da animação e do reerguimento, celebrado pela comunidade eclesial em benefício de um membro em situação existencial ameaçada.
A quem se destina a Unção dos Enfermos? O Ritual da Unção dos Enfermos determina que esta sagrada unção deve ser conferida aos fiéis que adoecem gravemente por enfermidade ou velhice. Não é sacramento dos moribundos e agonizantes, mas dos gravemente enfermos. São incluídos expressamente no Ritual os casos de doentes que necessitam de uma cirurgia, cuja causa seja uma doença grave; de pessoas idosas, cujas forças se encontrem sensivelmente debilitadas; e das crianças enfermas que possam receber o sacramento frutuosamente.
O sacramento poderá ser repetido tratando-se de doença diferente ou de agravamento da mesma enfermidade.
Não sendo a Unção dos Enfermos um sacramento preparatório à morte, mas o sacramento que dá sentido cristão à doença, sua recepção não deve ser adiada indevidamente.
É sério dever dos pastores zelar para que todos os doentes portadores de moléstia grave recebam o sacramento que lhes compete.
julho de 2001
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